segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

O meu Ano Novo


Este ano, admito: não pensei em lista de resoluções, não enlouqueci atrás de uma roupa branca e nem me senti injustiçada com a possibilidade de passar o revéillon em São Paulo. No dia 31 de dezembro, quando pular as ondinhas e molhar a ponta do meu vestido florido sem nem um tantinho de frescura, não é o Ano Novo que vou comemorar. O Ano Novo já acordou dentro de mim e, tomando novamente emprestadas as palavras de Drummond, não se fez apenas pintado de novo, remendado às carreiras. Fez-se novo, poeta, nas sementinhas do vir-a-ser, novo até no coração das coisas menos percebidas. O Ano Novo talvez tenha começado, com muito amor, num quartinho próximo às rosas que ilustram este blog. Ou então antes, um pouco antes disso, quando entendi pela primeira vez, de um jeito meio torto, que ausência é um estar em mim. A virada veio em forma de barquinho de Yemanjá colorido, mas foi que o danado do barquinho acabou indo parar em um rio, longe, não se sabe se Danúbio ou São Francisco. Nunca, Ano Novo nenhum me trouxe tanta dor e, ao mesmo tempo, tanta paz. De repente, como aquela chuva que caía atrás das montanhas e que observamos, serelepes, chegar até nós, de repente, em meu fusca cor-de-rosa, percebi que seria a hora de cruzar o país sozinha, de levar a mochila pesada na trilha. Aí, Adélia, o mundo, por um espaço de tempo, ficou cheio de departamentos, deixou de ser a bola bonita caminhando solta no espaço...mas a chuva passou, passou para outra fazenda e fez sorrisos em outros rostos. Eu ganhei o melhor presente que já recebi até hoje. E vi: há tantas pessoas bonitas, esperando alguém enxergar a poesia que existe nelas. O que acontece é que, às vezes, a gente deixa de olhar a beleza de tudo porque não sabe direito cadê a nossa poesia. Tudo o que precisava era ficar um bocadinho quieta, toda minha - ele, grande demais, viu. Entrei na tenda e deixei a menina que queria deixar e desde então aprendi tantas coisas que, se tentar expressá-las, talvez percam sua força. Prefiro o símbolo do infinito. O futuro, ah, o Ano Novo de verdade-mentira, este que vem com gosto de areia doce e cirandas-de-roda, ele chega para mim deliciosamente sem receitas.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Tudo novo de novo


Nos pulinhos à meia-noite quero desejar mais do que sete coisas. Vou pular quantas ondas eu quiser e, se der vontade, mergulhar no mar de roupa e tudo. No novo ano quero tudo novo de novo.
Quero tudo colorido como um quadro de Miró. Quero não sentir medo. Quero me entregar mais, me jogar mais, amar mais.
Viajar até cansar. Quero sair pelo mundo. Quero fins de semana de praia. Aproveitar os amigos e abraçá-los mais. Quero ver mais filmes e comer mais pipoca, ler mais. Sair mais. Quero um trabalho novo. Quero não me atrasar tanto, nem me preocupar tanto. Quero morar sozinha, quero ter momentos de paz. Quero dançar mais. Comer mais brigadeiro de panela, acordar mais cedo e economizar mais. Sorrir mais, chorar menos e ajudar mais. Pensar mais e pensar menos. Andar mais de bicicleta. Ir mais vezes ao parque. Quero ser feliz, quero sossego, quero outra tatuagem. Quero me olhar mais. Cortar mais os cabelos. Tomar mais sol e mais banho de chuva. Preciso me concentrar mais, delirar mais.
Não quero esperar mais, quero fazer mais, suar mais, cantar mais e mais. Quero conhecer mais pessoas. Quero olhar para frente e só o necessário para trás. Quero olhar nos olhos do que fez sofrer e sorrir e abraçar, sem mágoa. Quero pedir menos desculpas, sentir menos culpa. Quero mais chão, pouco vão e mais bolinhas de sabão. Quero aceitar menos, indagar mais, ousar mais. Experimentar mais. Quero menos “mas”. Quero não sentir tanta saudade. Quero mais e tudo o mais.
“E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha”. Fernando Pessoa que, aliás, tem me inspirado mais.

Promessas de Ano Novo

E é assim que é, decidi. Mesmo que ninguém concorde comigo vou cortar os cabelos e pinta-los de cor-de-rosa. Vou comprar calcinhas brancas e fitinhas vermelhas. Vou comprar passagens de avião para passar o fim-de-semana na Bahia. Vou parcelar no cartão de crédito roupas novas para os dias de férias. Vou emendar a música eletrônica das madrugadas de sexta-feira com a ioga das manhãs de sábado. Vou aprender a gostar de música eletrônica e vou me matricular na ioga. Também vou fazer suco de tangerina no liquidificador para acompanhar as batatinhas com casca e alecrim. Vou esticar a minha canga no meio do parque e tomar sol de biquini e shorts. E vou ganhar marcas de sol estranhas nas pernas. Vou andar de patins pra lembrar como se cai. Vou escrever durante as madrugadas e acordar cedo para ir às aulas novamente. Vou dormir à tarde e esperar o despertar. Vou pra Cuba, Colômbia, Peru, Equador, El Salvador, Santo Domingo y Puerto Rico (no ritmo da música). Vou tomar um porre, vou tomar friagem, vou tomar café. Vou andar descalça, vou falar palavrão, vou gritar de raiva. Vou entrar no mar, vou cortar meu pé, vou bater o cotovelo na quina da estante. Vou fazer dieta, vou comer merengue, vou dizer “amo você”.Vou morrer de rir, vou chorar de emoção, vou abraçar apertado. Vou acreditar na vida e em suas razões. Vou plantar uma árvore, vou passar vergonha, vou cumprir os prazos. Vou conhecer gente especial e amar com força. Vou odiar mamão por mais um ano e, por mais um ano, vou gostar de arroz-doce com muito leite-condensado e raspinhas de limão.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Hoje


Procuro uma alegria
uma mala vazia
do final de ano
e eis que tenho na mão
- flor do cotidiano -
é vôo de um pássaro
é uma canção.

Carlos Drummond de Andrade

Viajando...


Sorriso de menina, semana de mulher, festas de menina e responsabilidades de mulher. Menina ou mulher? Em um momento que tudo parece estar passando por um turbilhão, nada é certo e tudo pode sumir como areia entre os dedos. Pensei na menina e na mulher.

Saber o que quer, decidir como será. Certezas que tranqüilizam, mas que iludem quando acreditamos que são certas. Mudamos todos os dias, minutos e instantes. E aos poucos percebi que não existem certezas, elas passam rápidas como o tempo que nunca é igual e que nunca repete os segundos. Ontem e hoje são tão velozes que se confundem. Tenho medo de perder, mas também de ter, de deixar passar e por isso quero tudo, mas também não quero nada!

Encantamento e aflição de saber que tudo passa, que novas fases vêm. Que esse mesmo tempo que passa rápido cicatriza corações machucados, ajuda a suspirar de novo, sentir frio na barriga, começar em outro lugar e lembrar de tudo como o algodão doce que comíamos nas festinhas de criança. Passa, menina, passa mulher. Tempo que é triste também, que para fazer esquecer precisa levar algumas das boas lembranças. Tempo. Coisa engraçada, difícil de medir a quantidade, mas fácil de saber seus resultados.

Um ano novo, com promessas e mistérios. Com surpresas e gostinho de diferente. Sempre durante essa época penso no que vai mudar, as pessoas que irei conhecer e o que vou viver de novo. Viagens, amores, amizades... penso, mas deixo tudo para que Iemanjá planeje no segredo das sete ondinhas e nos desejos misturados com champgne e felicidade!

sábado, 15 de dezembro de 2007

A menina trapezista


Se sentia uma menina. No carro, sonhava em voar. Mas se contentaria com um trapézio, balançando em camêra lenta, quando de cabeça para baixo pudesse sentir o vento em sua cara. Enquanto isso uma música tocava, às vezes triste, às vezes infinito. Pensando bem, queria era que a vida toda fosse em câmera lenta, para poder sentir mais e melhor aquilo tudo que ela sabia que existia e que se chateava às vezes por não conseguir enxergar.
Seu impulso pela vida era do tamanho do balão, justamente aquele, que ela imaginava que iria levá-la para longe, lá onde não é necessário acordar, porque não existe o cansaço nem a obrigação. Onde a dor só existe em forma de poesia.
Isso porque ela sabe que a dor pode ser bela. Mas não aquelaque ela sentia de vez em quando.A dor da espera. O cansaço fazia dela fraca. Não suportava não poder pularde vida em vida.
E logo depois se impedia de voar. Porque quando olho aberto, o cansaço voltava. Doia bem ali, do lado esquerdo-direito, cima-baixo. Queria um travesseiro que fosse feito de amor e conforto.
Como se fosse menina de novo, pedia proteção. Mas sempre foi tanto, que nem assim. Já haviam falado para ela que só quem protege é a gente mesmo, mas isso de pedir proteção a si mesmo soava estranho.
Tão pequena, sentia-se indefesa, com vontade de chorar porque não pode chamar o balão só fechando os olhos e pensando forte, com os olhos mais do que cerrados, pressionados.
Queria mesmo era dormir. Ou encontrar alguém que pudesse ensiná-la os mistérios do mundo sem nada em troca. Só um abraço que durasse a vida inteira.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Previsão do tempo

Chuva forte, tempo feio e ela de sandálias. E ela odeia molhar os pés. Mas, oras, como adivinharia? O céu daquela cidade não é o mesmo céu que cobre esta cidade aqui. Ah, ela tem certeza disso. Mas o que conforta é que ali, bem na divisa dos “céus” existe uma casinha branca. Ela acredita, apesar de os mapas dizerem o contrário, que aquela casinha ali se ergue metade na cidade dela e metade nesta cidade aqui. E ali, naquela casinha onde o sol banha a varanda, mora alguém que disse, ao pé do ouvido dela, que não vai deixá-la mais molhar os pés. Nunca mais. Tá, ela sabe, com certeza, proteger os pés da chuva, sozinha. Mas ela esquece de separar, para o dia seguinte, sandália e tênis, calça jeans e vestido, camiseta e casaco de lã, como pede esta cidade aqui. E, além disso, como é bom se fazer desprotegida. (Ela sempre acreditou que as princesas dos contos-de-fadas nunca precisaram ser salvas de verdade. Era tudo charme. Elas sabiam, sim, resolver seus problemas sozinhas. Afinal, não há dificuldades em se descer do alto de uma torre, não há veneno no mundo que adormeça alguém por anos e anos, a cinderela poderia arranjar outra forma de ser feliz-para-sempre sem o bendito sapatinho de cristal e quem é que disse que a chapeuzinho vermelho não queria ser comida pelo lobo-mau?) Bom, ela, fazendo charme, abriu concurso para encontrar alguém que, disponível, revelasse, toda noite, na hora de dormir, a previsão do tempo do dia seguinte. E não é que o moço do tempo que ela encontrou, sabe muito mais do que só prever o tempo! Ele sabe fazer dias de verão, em plena madrugada chuvosa. Ele também sabe inventar frentes-frias só como desculpa para se tomar chá quente e comer biscoitos metade-preto-metade-branco. Ah, e claro, sabe pintar primaveras, todos os dias desde o primeiro encontro.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

A levada da breca


Lembra dela? Essa menina era um barato (era?). Pra mim, era. Punky, a levada da breca. Ela se virava sozinha, adorava estripulias, usava essa calça jeans remendada, style, sem se importar com as menininhas-bonecas. Bem resolvida, era a Punky. Eu gostava dela, gostava, gostava. Eu colava na TV pra ver a Punky, e queria a Punky do desenho animado, não gostava tanto da Punky-vida-real - aliás, quando tentava achar a foto desse post, dei de cara com a Punky-vida-real mulher, toda gatona, em matérias com títulos "A Punky Cresceu", "Sabe quem é? A levada da breca"...safados! Deixem a Punky em paaaaaz! rs.

Aliás, quem será que foi que inventou "Punky - A levada da breca"? Muito bom esse nome. E lembra do Glomer? (muito bem colocado, Pó). "Amiga Punky!". Bichinho esquisito que transportava a Punky pra lá e pra cá, quando balançava as orelhas. Fui atrás da música de abertura do desenho: "Nunca mais eu vou dizer que essa vida me aborrece. Punky! Deixo pra você resolver só pra ver o que acontece. Puuuunky!" (http://www.youtube.com/watch?v=rAkJuZfs0t0). Que divertido!

Pq conversas sobre desenhos animados antigos sempre rendem muitas cervejas? Todo mundo adora, né. Ontem o Leo contou que, em uma estação de trem, recentemente, encontrou um camarada que queria vender um Nintendo 64. Por 200 paus levou o videogame e pagou a mais pela fita do Mario Kart!!! Eu disse pro Leo que, se ele descolar Donkey Kong, não saio mais da casa dele. Duvida? Eu era fera no videogame (pelo menos sempre ganhava do Rodrigo Avancini, meu quase-namoradinho da infância). Que é, videogame tb é cultura, sô! Finito.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Nada Será como Antes


Crítica de música também é cultura. O jornalista inglês Simon Reynolds, escrevendo sobre o músico Morrissey, deu uma das mais belas e precisas definições sobre melancolia que eu já encontrei.

"Melancolia é a fusão sofisticada de dois sentimentos contraditórios. É uma beleza que bate fundo, ou uma mágoa doce. Qualquer um que tenha idolatrado sua dor, tentado prolongá-la, brincado com a idéia de exacerbá-la; qualquer um que tenha sido levado a demorar-se dentro dela, mesmo quando já pudesse estar recuperado há muito tempo, preferindo a companhia de fantasmas à falta de sonhos da sociabilidade cotidiana, qualquer pessoa nessas condições entende a melancolia."

Lembrei dessa definição neste final de semana quando pensava sobre a dor. Um raio x de corpo inteiro nunca captaria aquela sensação, que no entanto está lá, em algum lugar do pescoço até o estômago. Parece que ela se esconde, e de repente no ônibus, no bar, na piscina ou na cama ela reaparece, aguda, sem respostas, sem perdão.

Você até pode mandar ela embora, ou jurar que nunca mais vai se encontrar com ela. Mas ela teima em voltar, inexplicável.

Do mesmo jeito que ela vem, súbita, ela pode ir embora. Claro, se você quiser. Alguns não querem, não deixam, se agarram nela. Porque às vezes ela pode ser a única e última lembrança de um tempo que já passou. De alguém que se foi. O último suspiro de uma época vivida, de um sorriso conhecido.Aí sim é preciso um pouco de esforço.

Esforço para deixar a dor ir embora, mesmo sabendo que a qualquer minuto de descuido ela volta. Volta cada dia menos, cada dia diferente, às vezes intensa, às vezes quase vento. Suspiro. Por muitas vezes tentei afastar a dor, sofrendo por antecedência. Outras vezes preferi fazer dela minha companhia constante, para não ter que encarar o choque de conhecer a euforia sabendo que um dia a tristeza voltaria.

Eu sei que talvez esse texto pareça triste, e talvez ele seja. O que não quer dizer daqui a cinco minutos eu não posso estar cantarolando uma música do Clube da Esquina, na voz do Milton Nascimento, uma voz que quando eu ouço, consigo sentir naqueles breves minutos tristeza, melancolia, felicidade, profundidade, e todo aquele restinho que a gente não consegue nomear. Pode até ser essa, com o sugestivo nome de Nada Será Como Antes. Tão simples que chega a ser óbvio, mas é bom sempre lembrar que um rio nunca passa duas vezes no mesmo lugar.

Eu já estou com o pé na estrada

Qualquer dia a gente se vê

Sei que nada será como antes, amanhã

Que notícias me dão dos amigos?

Que notícias me dão de você?

Alvoroço em meu coração

Amanhã ou depois de amanhã

Resistindo na boca da noite um gosto de sol

Num domingo qualquer, qualquer hora

Ventania em qualquer direção

Sei que nada será como antes amanhã

Que notícias me dão dos amigos?

Que notícias me dão de você?

Sei que nada será como está Amanhã ou depois de amanhã

Resistindo na boca da noite um gosto de sol

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Sonhar


Em tempos de imprecisões, confusões, desilusões...os sonhos continuam aqui. Tem sonho que já virou realidade e às vezes eu nem percebi porque já tem outro sonho pra sonhar, pra viver. Tem sonho que eu já nem lembrava que um dia sonhei e que, de repente, bate na porta como criança pedindo doce, pedindo para ser sonhado de novo. Os sonhos vão trilhando os caminhos. Sigo caminhando. E nem percebo que tudo está passando rápido, tão rápido feito estrela cadente.
“A vida necessita de pausas”, disse Drummond. Concordo com ele. Senão fica tudo atrapalhado, amontoado. Sonhos embaralhados. Tudo fica querendo ser alcançado. Calma, uma coisa de cada vez. Mesmo assim sonhar é bom. Como é bom, mas na medida certa ou o sonho vira quimera.

Aqui deixo um pouco de sonho, não aquele com goiabada que minha avó fazia, mas aquele que se fantasia. Um sonho impossível, descrito por Miguel de Cervantes, lá em Dom Quixote de la Mancha.


Sonho Impossível

Sonhar
Mais um sonho impossível
Lutar
Quando é fácil ceder
Vencer
O inimigo invencível
Negar
Quando a regra é vender
Sofrer
A tortura implacável
Romper
A incabível prisão
Voar
Num limite improvável
Tocar
O inacessível chão
É minha lei, é minha questão
Virar esse mundo
Cravar esse chão
Não me importa saber
Se é terrível demais
Quantas guerras terei que vencer
Por um pouco de paz
E amanhã, se esse chão que eu beijei
For meu leito e perdão
Vou saber que valeu delirar
E morrer de paixão
E assim, seja lá como for
Vai ter fim a infinita aflição
E o mundo vai ver uma flor
Brotar do impossível chão

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

A Via Láctea

"Sentimentos à deriva"
"Avance para viver"

Chuva Interior

Quando saia de casa
percebeu que a chuva
soletrava
uma palavra sem nexo
na pedra da calçada.

Não percebeu
que percebia
que a chuva que chovia
não chovia
na rua por onde
andava.

Era a chuva
que trazia
de dentro de sua casa;
era a chuva
que molhava
o seu silêncio
molhado
na pedra que carregava.

Um silêncio
feito mina,
explosivo sem palavra,
quase um fio de conversa
no seu nexo de rotina
em cada esquina
que dobrava.

Fora de casa,
seco na calçada,
percebeu que percebia
no auge de sua raiva
que a chuva não mais chovia
nas águas que imaginava.

Mário Chamie

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

ai, aquela mancha...


Resolvi escrever de uma maneira diferente. Sentada em um bar, relembrei uma história e pensando nela imaginei uma crônica daquelas que podiam se tornar filmes. Sempre ouvi dos outros que minha vida é uma novela mexicana e eu não duvido.

Estava tudo pronto! As malas, o presente para a família e o friozinho na barriga que custava a diminuir. Era uma situação nova, mas que, apesar daquele medinho, estava ansiosa querendo que chegasse logo. Chegamos. Uma casa grande e bonita. O frio se tornou em uma nevasca! Não sabia muito bem o que fazer, ficava parada, sem nem saber onde colocava meus braços. Entramos. Na mesa da cozinha já avistei um bolo de dois andares e uns três pães caseiros. Imaginei a saudade que eles estariam do filho.

O pai ajudou com as malas e seu sorriso me confortou um pouco, a mãe acordou só para abraçar o filho e saber quem era a menina que estava "roubando" ele de seu ninho. Fiquei calada, nem comer eu conseguia. Chegamos tarde e logo fomos dormir. Eu com as primas e irmã e ele sozinho e com a porta do quarto aberta! Combinamos que assim que acordasse ele me chamaria, não queria descer sozinha.

Abri os olhos e vi minhas companheiras de quarto descendo felizes da vida, usando um pijaminha cor-se-rosa com lacinhos. Sabe quando você acorda em um lugar novo, não entende muito bem o que está acontecendo e faz tudo por impulso? Pulei da cama e quando vi já estava na mesa do café-da-manhã com as meninas rosas, com o pai e a mãe. E ele? Boa pergunta! Ou melhor, a boa pergunta seria: pq não pensei antes de fazer as malas??

Todos com hobbys, laços e pantufas macias. Depois do susto consegui me olhar. Mini shortinho e um moleton, mas não era qualquer moleton. Ele ainda tinha o charme de estar rasgado na gola e mangas e para completar o modelito uma grande mancha de chocolate no meio do peito! Pensei oq seria melhor esconder: as pernas, a mancha, o rasgo! E ele? Desceu depois de quinze minutos de banho tomado e vestido. A mãe que já me olhava mesmo com trajes normais deve ter se divertido com tudo aquilo. Me trocar? Acho que essa idéia não ia ajudar. Já estava feito, todos já tinham visto e me trocar ia ser assinar embaixo da vergonha! Conclusão: tentei esquecer dos meus trajes, tomei meu café e subi p/, finalmente, me trocar!

A viagem não acabou por ai, nos próximos posts eu conto a tarde de sábado e a feijoada na casa da vovozinha doida no domingo!

Algodão salgado


Às vezes o algodão doce é salgado e não derrete na boca. Anteontem, no carro, fiquei pensando, pensando alto-baixo: pq a gente não pode ouvir de novo uma música no rádio? Tem que esperar ela voltar, um dia, em um momento diferente, ter a sorte de encontrá-la pelas estações? Deveria existir um botão pra gente apertar e a música tocar de novo. Aí pensei que seria bom se existissem botões em vários lugares. E tive a sensação de que as coisas por vezes estão demasiadamante tortas. Não podem ser como são. Quis ter um botão pra matar a saudade, tirar o medo, pra me esconder em um lugar embaixo da terra, com os gnominhos - aqueles que eu colecionava criança -, ao lado de uma lareira, lugar nem muito quente nem muito frio, apenas eu e os gnomos meus, num tempo infinito. Quase não consegui imaginar, quase pedi um botão para imaginar, pode? Pode. Lendo os pensamentos das Meninas de Lá, tão únicos, fortes, individuais, mas tão iguais, aí eu penso pode sim, pode. Todo mundo em algum momento do dia, ou da semana, ou do mês, ou do ano, quis ter múltiplos botões, e quis comer algodão doce sempre, como se todo dia fosse doce e fosse sexta. E encontrou um gosto salgado. Quem disse, no entanto, que o doce não é salgado e o salgado não acaba sendo doce? É bonito de ver o movimento do açúcar na máquina de fazer algodão. Ele se transforma tão rápido! Dia desses, o fotógrafo queria fotografar o fio de algodão nascendo, mas não dava, logo virava montes de algodão, logo virava sorriso da criança, saliva doce, lembrança. Pq se transforma depressa demais? Talvez nunca me esqueça daquela casa, da expressão daquela mulher, o açúcar voando no meu rosto, o cenário meio circense, o Apito, o bebê. Agora, fugi da minha matéria e vim pra cá, de madrugada. Aqui estou presente, e nem ligo, ó! Às vezes é salgado demais. Pq a gente precisa desligar o rádio e voltar? E se diz, a vida nem é da gente...

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

até que...

Resolvi. Vou escrever, mesmo que a inspiração não venha. O início é sempre mais difícil.
E digo mais, a inspiração vem, ela tem vindo, em doses homeopáticas. Momentos, momentos de felicidade, de sanidade, de realidade.
De repente nada é tão grande que não possa ser deixado para trás, num gesto de tranquilidade e aceitação. Aceitar a Vida e extrair dela o possível. Sem esquecer do impossível, porque esse é o combustível.
Aos poucos as coisas ficam menos turvas, menos fim e mais começo. E as lembranças, as boas, ficam ali guardadinhas nos cantinhos, às vezes felizes, às vezes melancolia.
Mas algumas coisas persistem, mudam, resignificam... e aquele poema que era só nosso, agora posto aqui para virar de todos:

"Isso de ser
exatamente aquilo que a gente é
ainda vai nos levar além"
Grande Leminski.

Meninas, amo vocês, cada dia mais. Ainda escrevo sobre as mulheres, porque quem não tem amigas não sabe o que é viver...
Até breve.