terça-feira, 30 de setembro de 2008

vespertinas


Uma música flamenca. O violão que rodeia enquanto ela se curva, delicadeza e sensualidade, a alma quase sai do corpo, retorna, rodopia no ventre e estremece cada pedaço daquele corpo feito de carne e prazer.

Bocas frescas como a madrugada. Tomava vinho enquanto cantarolava "La Vie en Rose". Juntos, dançavam como antigamente.

Morava no país das sinfonias coloridas, como aquele quadro de Kandynski. Gostava da palavra sussurro. Só de ouvir, se arrepiava.

Um dia descobriu que tudo não passava de uma ficção.

La femme a dit oui


Elas tiram fotos que depois serão colocadas em álbuns virtuais. Com alguma sorte (e uma dose de nostalgia) em murais. Não são mais de cortiça, as fotos não furam mais. Ficam pregadas em ímãs coloridos. Com alguma sorte, de Olinda. Mas as moças nem sabem. São quatro e estão sentadas na mesa do canto esquerdo do bistrô. Uma delas amarrou o casaco por cima das costas. Talvez fossem um quarteto na faculdade. Dão risada das fotos que já podem ver no visor da máquina digital, que nem deve ser mais chamada de digital. Coisa cafona, toda máquina hoje é digital. Não imagino o que conversam, não quero. Só observo deliciada o jeito como se divertem, como bebem vinho. A namorada da mesa vizinha leva à boca do namorado uma garfada de quiche, repreendendo-o com estudada espontaneidade: "Você nunca deixa". E ele chega. Chega e dá um gole no vinho e me rouba um beijo e diz você nem se assusta, né. E assim, distraída, quando achava-me sabida observando o lado de lá, tomei o susto mais doce da vida.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Improvisos


Eu esqueci a fala e ele sussurou pra mim, da coxia.

sábado, 20 de setembro de 2008

Grandes



Ela se sente vazia, me diz. Diz que multidão alguma consegue preencher o vazio e desatar o nó da garganta. Caminha pelas ruas do centro, pinta telas no banheiro, improvisa gestos sedutores, repica o cabelo e faz, do lagarto, poesia. Mas falta algo, ela me diz, ao telefone. Eu peço calma, sugiro que esse período enfadonho vai fazer com que entenda sua arte, ajudá-la a pegar sua força, formar a mulher. Não fique pensando muito, matutando, racionalizando. Ela diz que vai tentar, a voz cheia daquele alívio que deixa momentaneamente tudo morno e macio. Geralmente, pouco tempo depois, passa. É como voltar de um final de semana em Pedra Bela. Passa. Mas abre uma fresta, refresca. Ela, não a mesma, está aflita. "Não aparece há dias". Fuma meu cigarro e pergunta como deve agir, sem esperar resposta. Sabe que o que está acontecendo é resultado da dorzinha apertada e miúda da semana passada. Só que de repente não quer saber, o medo faz com que não veja. O medo sempre embaça a visão, é uma miopia que não se conserta usando óculos. Penso em recomendar jazz e uísque. Eu queria jazz e uísque aquele dia. Ao invés disso fomos, juntas, durante um instante, para uma ilha paradisíaca. "Por quê não consigo esquecer o passado e viver só o presente?"; "Não dá pra passar por cima dos meus sentimentos"; "Dói imaginar que não foi comigo". Ouço e sinto que as histórias se confundem e todo mundo está nos fundos de um estacionamento escutando a mesma música eletrizante, o mesmo solo de guitarra arranhando delicadamente os ouvidos cansados. Enquanto sinto, alguém profetiza: "Não quero que dependam de mim." Ela acha que deu espaço demais. "Se isso aconteceu, só foi porque deixei que acontecesse", conclui com a voz serena, madura, sem delongas e chiliques. Quase epifânica. "Não há precisão alguma. Como estou aprendendo a ser paciente! Dá vontade de falar 'escuta, meu querido, vamos organizar essa merda e avisar direito como é que vai ser?'", expressa outra, por e-mail. "O mais engraçado: recebi a Vida Simples ontem e adivinha a capa? Paciência!". É engraçado como às vezes as coisas fazem sentido quando a gente menos espera. Aconteceu depois de uma tarde em que o coração não queria aquietar. A lua, os prédios, as luzes todas acesas, o relógio marcando catorze graus. Atravessava o clube apressada e parei, um sobressalto. Que noite linda. Atada a um desses pequenos amores de que tanto fala Paulo Mendes Campos, entendi. A noite está linda ― e isto basta.

Para minhas amigas, guerreiras. E porque, sem elas, não há

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

A sorte dela

Hoje acordei cedo para vê-la passar. No frio, os lenços contornando o pescoço fino e comprido me fazem inveja. A bochecha e o nariz corados a deixam mais bonita! Beleza diferente a dela. Morena, nariz grande, delicado e gracioso por sua espessura, fina. E ela usa uma jaqueta jeans e calça de veludo. Tão Básicos. Nunca falei com ela, mas ouço a sua voz quando reclama alto por ter perdido o ônibus. Pequena e brava. E talvez doce. Ela prende o cabelo da mesma forma todos os dias. Será porque não gosta dos cabelos castanhos? Ou porque tem medo da mudança? O cheiro dela, eu também conheço. É um cheiro de banho. Percebi que ela não se perfuma. O perfume gruda na pele dela quando se hidrata. Há muito andava com a unha por fazer, assim como as sobrancelhas grossa, que nunca mexe. Mas algo anda fazendo com que ela pinte as unhas de vermelho toda a semana. Será que vem despertando a mulher? O que mais me intriga porém, são os olhos. Pieguice, talvez. Mas os dela são castanhos, não claros como mel e nem escuros, quase jaboticabas. É meio-termo. A beleza, porém, vem é do rio que se instalou ali. Rio que nunca seca e é constante em seu olhar. Não entendo como moça assim pode deixar, todos os dias, o seu olhar marejar. E ela deixa. Ela deve carregar algo grande no peito, que pesa, que dói e faz do olho dela, mar. Mas haveria beleza e força se ali se abrigasse um deserto? Seguindo-a, sem perceber, por um longo caminho, ouvi o conselho dado pela cigana da rua que, toda semana, insite em gritar sua sorte, mesmo que ela aperte o passo para não ouvir: "Ei, menina dos olhos d'água, a solução é ser mais gentil com você mesma!" E acho que foi assim que conheci um pouco mais dela. Pela voz da cigana que em uma frase, decifrou o segredo daquela que, por toda uma vida, venho mirando: alma-gêmea.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Pernambucando


O Recife é grande, quente, cheio de vento e está em obras. Quente. E possivelmente a cidade mais poluída de cartazes de campanha eleitoral. Isso ela descobriu lá. Também descobriu que, no Recife, quando você tem cara de que não é do Recife e resolve colocar sua mala (por algumas horas) no locker do Aeroporto Internacional do Recife/Guararapes – Gilberto Freyre, o guardador vai ficar com receio de te deixar pegar um ônibus na esquina até a praia de Boa Viagem. "Vou pegar meu carro que está aqui no estacionamento e te levo. É pertinho. Bora lá". Bora lá! E depois, vai te convidar para uma água de coco e você vai pensar: "Vou pagar, pra agradecer a carona". Mas o sujeito é mais veloz e tira as moedinhas do bolso primeiro. E depois te convida para um lanche na padaria-coca-cola (inevitável imaginar uma propaganda com aquele urso polar. poderiam colocá-lo lá na frente, segurando uma garrafinha de vidro. ao fundo, a placa: 'cuidado! tubarão'). Você acha que padaria já é demais da conta. Carona, carona. Água de coco, água de coco. Lanchinho, não, pô! Despista, diz que não está com fome, torcendo para o estômago não roncar e ele te conduzir à padaria com mais um "bora lá".

Naquela manhã, a mocinha caminhou pelas ruas próximas à Avenida Boa Viagem. Parou para comer um doce de batata doce pelando, enrolado em papel sulfite, que devorou com voracidade depois de ter acabado com um pacote de pipoca doce (murcha) sentada num banco da praia. Ventava muito e ela tirou seu sapato-joaninha e quis caminhar até o mar, molhar os pés de água salgada. Sempre pensou que o mar fosse mais senhor que sereia, com suas rugas e fúrias e mania de querer ser infinito. O mar, como o amor, torna tudo infinito. Movimenta, balança, espalha, cura. Toca em frente, como diz a canção de Almir Sater que ela ouviria dias depois, em uma manhã chuvosinha, com a cabeça encostada no ombro dele e o coração tranqüilo.

Mas o Recife não tem só mar, cartazes de campanha eleitoral, doce de batata doce e tubarões. Tem a melhor cabeleireira do país, que encontrou caminhando placidamente pela rua dos bacanas da cidade.

"Oi, tudo bom? Você sabe onde eu encontro um cabeleireiro por aqui? Me disseram que tem um nessa rua..."
"Oxe, eu sou cabeleireira. Só que meu salão fica na Fernandes Vieira"

Ela pensa que a Fernandes Vieira deve ser logo ali, mas a sra. Potter pára em um ponto de ônibus e acena para um que vem vindo. Vou ou não vou? Vai. O ônibus atravessa umas pontes, dezenas de meninotas embarcam e desembarcam, com uniforme do colégio e sombra nos olhos e, quase meia hora depois, a sra. Potter diz:

"É aqui"

Estão as duas em uma sala de um consultório de um doutor, já estranhamente íntimas.

"Mas tu é doida, não? Acreditar assim numa pessoa qualquer da rua"
"E você também, mulher, de me trazer aqui!"
"Eu olhei e pensei: 'É tão novinha, não pode fazer mal'"
"Escuta, aqui em Recife as garotas vão à escola maquiadas? Encontrei várias super arrumadas no ônibus"
"Na sua cidade não é assim, não? Outra coisa, vocês não usam essa máquina? Olhe, eu não sou de falar mal de outros lugares, mas, posso dizer? Acho que você precisa trocar de salão"

A sra. Potter tem razão. Nunca alguém foi tão bem tratado em um cabeleireiro, impecavelmente bem tratado.

Já são 14hs. A mulher almoça um Mc Lanche Feliz e a mocinha, já no clima do Recife, guarda a calça e sai de vestido e rabo-de-cavalo bagunçado, em busca do ônibus que vai até o aeroporto. Volta para buscar a bagagem de São Paulo. E um presente vindo lá do norte.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

aniversariando


A expectativa prévia, os preparativos, o vestido, a unha, música, bebida, a limpeza, o banheiro, os equipamentos de som. Questões práticas, outras totalmente superficiais, mas igualmente dotadas de importância, talvez excessiva. Mas isso só se descobre na hora em que o primeiro convidado chega. As amigas que você não vê há tempos, as que você vê sempre, as que você gostaria de ver mais, os primos-irmãos, os amigos de infância, os de adolescência, os amigos dos amigos, e os amigos destes. Todos aqui. Alguns estão desde sempre. Outros vêm e vão. Alguns não puderam vir, mas foram devidamente lembrados. Novas pessoas, novos carinhos, re-significações. Aquele amor que já havia, cresce proporcionalmente às memórias divididas. A pequena amizade agora é carinho “ad eternum”.

Por mim eu congelaria, cristalizava todos. E, aos poucos, bem faceira e sorridente, passava um por um descongelando, abraçava o quanto eu quisesse, apertava as bochechas, beliscava o bumbum , olhava no olho, ouvia as novidades, o sorriso de canto, as superações. O fim que se tornou início; as mudanças que não param de acontecer. Quem sabe apenas jogar papo para o alto, dar risada de tudo e nada, lembrar histórias. Falar coisas que normalmente não temos oportunidade ou tempo. “Gosto tanto de você, torço calada, penso sempre, se pudesse via todos os dias.”

Chorei algumas vezes nesse meu aniversário. Nos dias anteriores, as lágrimas significaram um pouco de angústia e medo das mudanças, do futuro; significaram também um pouco de chateação mundana, nada de muito importante. No dia da celebração, sorri e chorei de emoção. Queria visitar um por um e no ouvido, bem baixinho, sussurrar enquanto dormem: obrigada por tudo. Depois jogar pó de felicidade em todos e sair voando pela janela.

Já que não posso, tento expressar em palavras tudo que sinto impregnado em meu corpo e meu pensamento.

Não tem coisa melhor no mundo do que ter amigos e poder celebrar a vida ao lado deles. O aniversário é só desculpinha.

A noite na cidade

Não sei se acontece com todo mundo, mas sei que comigo é assim: reconheço nitidamente, como se viessem acompanhados de luz (acho que como os filmes no cinema que surgem, de repente, em um clarão no meio da sala escura) os momentos de felicidade intensa. Daquela pura e simples que enche o peito e deixa a gente corado.

Sinto isso em ocasiões mais previsíveis, como naqueles dias de um puta sol em que tenho a sorte de estar sentada em uma canga de bolinhas, sentindo o vento quente, com um suco de mexerica ao lado e à frente...só o mar!

Mas há também aqueles momentos menos esperados, que são reconhecidos em meio à música alta, ao cheiro de cigarro e aos sons confusos de pessoas tentando acompanhar a letra. A visão um pouco nublada pela mistura de cores não deixa a gente pensar direito, mas aí, quem comanda é o sentir.

Sentir o querer-bem quando ele dança atrapalhado só pra me agradar. Quando, na pista com os amigos, um olhar te surpreende, mirando de longe, encontado na parede e fingindo não se importar. Quando apertados, cantamos juntos "Menina musa do verão você conquistou o meu coração, tô vidrado" e eu, derramando cerveja em todo mundo, enquanto ele ri maroto, debochando das minhas trapalhadas. Quando no frio, ao nascer do dia, ele abre o moleton pra que eu, pequena, me encaixe no peito e, como desculpa para o gostar, dizer tímida: está frio, né?