quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Amarela de portas brancas

Nos meus sonhos, imaginava uma casinha amarela com varanda e quintal. Sonhava com cachorros correndo pela rua e voltando para tomar água e dormir no tapete em frente à porta. Sonhava também com pimenteiras na janela e uma mesa enorme de madeira para se passar horas e horas falando besteira na cozinha, enquanto se toma a última garrafa de vinho em copos de requeijão (Porque não teríamos ainda taças de vinho, pois o dinheiro estava sendo contado para comprarmos uma panela de pressão, sem mesmo saber o que faríamos direito com uma panela de pressão). Sonhava com um chão de madeira em que pudesse me sentar quando o calor fosse tanto que nem se suportaria um sofá com almofadas. Sonhava com paredes brancas, com uma amarelinha no meio da rua, com um banheiro com banheira. Sonhava com o silêncio ao abrir a porta depois de um dia de trabalho e sonhava com o barulho da porta se abrindo enquanto eu lia no sofá. Sonhava com o susto que levaria ao sair do banho de toalha e simplesmente encontrá-lo no quarto dobrando a malha quentinha que usara no caminho até em casa. Sonhava com o dia que chegaria em casa correndo após a dureza de uma segunda faculdade e o cheirinho do jantar chegaria até o portão. Sonhava com as broncas que ele me daria por não saber organizar meus papéis, minhas roupas, meus horários, minhas contas. Sonhava com as broncas que daria por ele nunca chegar no horário, por nunca esquecer uma conta, por nunca desistir de me fazer cafunés (por que sim, eu odeio cafunés, mas odeio mais quando ele não insiste em fazê-los). Sonhava com a felicidade em forma de pote de sorvete com sucrilhos e duas colheres e uma fileira de yakults na porta da geladeira, seguida pela pergunta previsível, mas adorada: "Mais um, abóra?"

Meus olhos alagam e meu peito estufa quando penso que os sonhos não são mais só sonhos. Que uma casinha amarela com varanda e portas brancas me espera pra dormir.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Comme des Garçons


porque ele é um garoto,
e seus olhos são de repente verdes
como nunca vi.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Querida Pedra Bela


Lá, depois de uma frase, se diz "jallalla". Significa "assim seja". Senta-se em roda em cima de uma velha esteira. Todo mundo se escuta, se olha com ternura, ao menos se esforça para esquecer os julgamentos, todo e qualquer tipo de mesquinharia. Os macacos brincam nas árvores. Um beija-flor amarelo pára ao lado da menina doce dos cachos de ouro. O rio corre solto, desce macio enquanto numa noite chuvosa de outubro o garoto de três anos e dez meses pergunta à mãe posso mergulhar? e ela diz, num ímpeto libertário: sim. Ímpeto do qual depois se lembraria com a mesma chuva nos olhos, o filho no colo de ponta-cabeça, com os pés em seus ombros, inquieto. Eu nunca cheguei perto daquele rio. Gosto de imaginar que ele existe e isto basta. Tem um rio aqui que eu sei! Dessa vez, havia margaridas no sítio Itaporã, tão lindas que fui me sentar perto delas. Quase dormi naquela subida, agachada, ouvindo os passos da moça entusiasmada com uma flor japonesa. A moça tinha ido buscar cebolinha para dar gosto à sopa que todos tomariam mais tarde. A jovem do anel verde dormia, a mulher que queria trocar de nome se abria e ele atendia o telefone com a voz rouca, preguiçosa, deitado no sofá. "Estou aqui trocando de canais", me disse, e eu senti o vento feiticeiro de Piva tocando o navio pirata da alma, a quilômetros de alegria. Eu contei pra menininha, no correr das horas, o segredo que a bailarina da caixa de música sussurrou pra mim há um tempo já. "Vamos conhecer o rio?", ela perguntou. Eu menti que a pressa já atravessava a ponte atrás de mim, e contei que se ela quisesse podia abrir uma bala daquelas 7Belo, jogar fora o papel e oferecê-la à cachoeira próxima ao rio. A menina olhou com seriedade, e eu acrescentei: "Você não viu que ontem oferecemos chocolates ao fogo? A gente tem que cuidar da natureza". Gosto de me ouvir e faz ainda mais sentido ouvir o que os outros têm a dizer. Sentir o rosto esquentar na fogueira, deixar o corpo rodopiar, encher o cabelo de folhas e o vestido branco de lama. É bonito demais, é como tudo deveria ser - e é, se a gente quiser que seja. Por um fim de semana ou a vida toda. Mais ou menos assim, como escreveu o ex-Mutante Arnaldo Baptista: "Às vezes estou andando ao lado de um amigo em plena Avenida Nossa Senhora de Copacabana ou qualquer outra grande avenida, com a fortíssima materialidade das lojas me levando a só acreditar no que se vê, e apesar disso, sinto algo especial". Jallalla.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

o eterno deus mu-dança



Desenho de Tulipa Ruiz

Nunca faz o mesmo caminho. Cada dia decide de maneira diferente o seu destino. Por vezes, sente uma sensação esquisita: "acho que já pensei isso antes." Mas a repetição não é o suficiente para se convencer.

Tem estado solitária. Reclama, acha que tem algo errado. Mas, no fundo, sabe que escolheu, preferiu que as coisas fossem dessa maneira.

Às vezes sente-se egoísta. Por dias acorda carente, angustiada. Depois que passa, vira para o outro lado e volta a dormir.

Assobia leve pela rua, canta alto ouvindo música, faz caras e bocas, dança sozinha no parque. Parece não se importar mais como antes.

De repente, se entristece. Trovoa tanto, que faz dúvida. Como perdeu tão rapidamente a leveza do assobio do fim da tarde?

O que será que a aflige?

Parece ser alguém que sempre soube onde moravam os problemas. Talvez seja esse o problema.

Me contou que hoje já não diferencia problema, de solução.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Dengo e Apelo

Há tempos estou para escrever esse texto. Sobre algo bom, sobre uma beleza, uma música, uma poesia, uma canção. O compositor é um velho conhecido da vila e de todo o resto, Martinho. Confesso nunca ter prestado atenção na poesia do presidente de honra que tem a escola do coração em seu nome, que compôs dois dos cinco campeões, entre tantos outros enredos da carioca Unidos de Vila Isabel. Que compôs sambas eternos que estão na boca do povo. E na minha? a Disritmia das primeiras vezes.

Fui apresentada à poesia por Ney Matogrosso e Pedro Luis. Não tenho muitas explicações para dizer que ultimamente me aparece todos os dias, na cabeça, no peito.Talvez sejam os ventos que causam arrepios nos finais de tarde, anunciando as novas que se aproximam. E a história se deu, simples assim, como tantas outras no mundo:

Disritmia
Martinho da Vila

Eu quero me esconder debaixo
dessa sua saia pra fugir do mundo.
Pretendo também me embrenhar
no emaranhado desses seus cabelos
Preciso transfundir seu sangue
pro meu coração que é tão vagabundo...
Me deixa te trazer num dengo
pra num cafuné fazer os meus apelos

Eu quero ser exorcizado
pela água benta desse olhar infindo
Que bom ser fotografado,
mas pelas retinas desses olhos lindos
Me deixa hipnotizado
pra acabar de vez com essa disritmia
Vem logo vem curar seu nego
que chegou de porre lá da boêmia

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

O sonho do Gordo


O Gordo passava nas Cigarras de vez em quando. Nunca avisava quando vinha. Minha mãe e minhas tias ficavam eufóricas, alertando quem cruzassem no caminho, como quem alerta que hoje vai chover: "O Gordo está aqui!". Ele vendia sonhos em São Sebastião, os melhores que já provei. Macios, deliciosamente incorretos na medida do recheio, cheirosos, grandalhões. Mas conseguiam ser ao mesmo tempo delicados ― de um jeito que você podia comer mais de um e não ficar nem fatigado nem satisfeito. O Gordo não entrava no clube, ficava lá na porta e carregava os sonhos em uma cesta coberta por um pano. Não dava pra preferir com doce de leite ou creme porque a acirrada disputa impossibilitava o direito de escolha. Só sei que minha mãe me entregava o sonho enrolado no guardanapo, ainda quente, e vinha aquele cheiro de açúcar misturado com o cheiro do pão. Bobagem. Não dá pra descrever cheiro. Se a MFK Fisher escreveu, eu me permito, agora: sei lá. Era cruel de tão divino. Quando acabava de comer, vinha uma certa tristeza porque era provável que só comesse de novo o sonho nas próximas férias de verão. Mas tudo bem, o Gordo sempre voltava. Um dia, não voltou. "Morreu de aids", diziam. Eu preferia não pensar muito no assunto, como não dá pra imaginar que o Clube Praia das Cigarras foi vendido e vai virar condomínio de luxo. Hoje eu comi um pão cujo cheiro provocou a memória e me fez lembrar do Gordo. Então eu pensei que alguém que passou a vida alimentando as pessoas de sonhos merece o sono dos justos.

domingo, 12 de outubro de 2008

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

sarau


Quem me avisou foi a Rosa Haruco Tane, conhecedora da obra de João Guimarães Rosa. Ai, não poderei ir, mas acho que vai ser bacana pra caramba. A Joana eu já ouvi uma vez, o trabalho dela é lindo. Vá lá!


A Comitiva Sertãocidade realiza seu primeiro sarau

Quem vai estar lá: nessa paulicéia desvairada, as vozes de Wagner Dias, Tia Dita, Jean Garfunkel, Magna Martins, Vera Márcia e Joana Garfunkel. Eles vão mostrar suas histórias, músicas e poesias
Quando: 7 de outubro, terça-feira, a partir das 19hs
Onde: Espaço Alberico Rodrigues, que fica na Pça. Benedito Calixto, 159, em Pinheiros
Famintos por mais informações: tel. 3064-3920 e www.espaçoalberico.com.br
Ingresso: R$ 10 e R$ 5 (estudante e acima de 60 anos)


Na foto Luana, contadora de histórias do Grupo Miguilim, com o irmão na janela de sua casa, em Cordisburgo, MG