sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Romance

Certo dia do era uma vez, Tristão pergunta à Isolda se amavam-se ou amavam amar um ao outro. Ela fez cara de confusão, mas orgulhosa que é, foi logo é ficando irritada com o papo. Oras, como assim alguém amar o amor? Isso pra ela era vício.

Pela telona, o filme homônimo ao post antecipou-se e disse - "O ministério da saúde adverte: amar faz mal à saúde." Horrorizada, Isolda imediatamente se levantou na sala escura e perguntou ao herói: Dá pra morrer de amor?!

Tristão foi logo soltando um "por você, sim" ensaiado, resposta que mora na ponta da língua dos heróis das tragédias medievais. Por um lado, ela achou a idéia bonita, mas por outro, a resposta atingiu seu coração áspera e inevitável: o amor um dia vai fazer doer. E se não doer, é amor? Ou o amor é aquilo que fica quando a dor cansa e desiste?

Isolda bem sabia de uma coisa: que às vezes, o amor dói pra caralho! Mas vale todas as penas do mundo.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

A máquina que dava moedas


Todas as manhãs Maria chegava ao trabalho, ligava o computador, deixava suas coisas em cima da mesa e ia, com sua linda bolsinha vermelha, até a máquina de cafés. Separava os sessenta centavos e colocava moeda por moeda no local indicado. Em seguida, apertava os botões de “extra açúcar” e o do tipo de café desejado, que, diga-se de passagem, era sempre o mesmo.

Após 30 segundos, a engenhoca apitava indicando que o café da moça estava pronto. Entretanto, o que era para ser um procedimento normal do cotidiano, tornou-se um mistério para Maria, pois a máquina não parava seu trabalho por ali. Logo, ela devolvia todas as moedas que a jovem havia colocado como pagamento.

Maria olhava para aquele monte de moedas sendo cuspidas pela máquina e ficava sem saber o que fazer. Às vezes pegava de volta e guardava na mesma bolsinha, porém, em sua maioria, deixava lá e pensava: sorte de quem vier depois, talvez seja uma espécie de café do próximo, como no restaurante da livraria Argumento.

Fazia o caminho de volta. Agora com o copo de café quente na mão. Sentava em sua cadeira e, se algum colega já estivesse por ali, contava o estranho fato.

Certa tarde, Gigi a convidou para um cafezinho. No caminho, Maria foi reproduzindo a incrível história da velha máquina. Gigi ficou indignada:

— Ué, eu trabalho aqui há tanto tempo e isso nunca aconteceu comigo!

A amiga foi primeiro e a máquina se comportou normalmente, sem soltar sequer um troquinho. Na vez de Maria, como não podia ser diferente, seis moedas de dez centavos foram caindo desesperadamente no chão. As duas se olharam confusas.

Papo vai, papo vem, Maria aponta para a máquina que dava moedas e pergunta à amiga por que ela não apertava o botão de “café solúvel livre”. No que Gigi responde:

— Ah, esse café é de graça, mas não é muito bom não.

Rapidamente, as duas se olharam e riram, como uma epifania. Enfim, estava solucionado o mistério da famigerada máquina. Mas não sem antes Maria, orgulhosa, afirmar que o café gratuito era, sim, muito bom.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Cristina


Eu simpatizo com a Cristina de Woody Allen. Pra mim, ela é um caos calmo, como o nome daquele filme com o Nanni Moretti. No início de Vicky Cristina Barcelona parece só uma moçoila maluquinha, descabeçada, que faz o que dá na telha sem pensar nas conseqüências, meio perdida na vida. Quando Joan Antonio (Javier Bardem) convida Cristina (Scarlett Johansson) e Vicky (Rebecca Hall) para um fim de semana aventuresco Cristina faz uma cara de deslumbrada, toda derretida, e você fica com a impressão de que ela é só isso mesmo: deslumbrada, derretida.

A cena do trio no restaurante pra mim é uma espécie de trucagem. Tem outras assim. Mas aí você vai percebendo que a Cristina é quem tem mais clareza ali, é a mais coerente, sincera consigo mesma. Ela confessa mais de uma vez que não sabe exatamente o que quer, mas sabe bem o que não quer. Acho isso bonito pra caramba. Saber o que você não quer já ajuda muito, e a gente raramente sabe com precisão o que busca, vai descobrindo é mesmo enquanto camina.

Tem uma crônica sobre o filme que diz que a Maria Elena (Penélope Cruz) definiu bem a Cristina ao dizer que ela sofre de insatisfação crônica. Como se a própria Maria Elena, o Joan Antonio e a Vicky não sofressem, como se todo mundo estivesse super satisfeito com a vida que leva. Se a Cristina sofre de insatisfação crônica, eu diria que os outros têm insatisfação crônica gravíssima.

Não acho que a personagem da Scarlett seja perfeita, é uma besteira torná-la heroína, endeusá-la, mas ela leva a vida com verdade e as pessoas parecem assustadoramente carentes disso.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Amor vampiro

Com os olhos atentos à grande tela conheci Oskar e seus cabelos cor de milho. A ingenuidade do garoto que brincava sozinho pela neve me fez lembrar Bruno e seu amigo do “pijama listrado".

Ainda me acostumando com a escuridão daquela sala, me ajeitando na cadeira, após descer correndo pela rua Augusta para não perder o começo do filme, veio Eli com sua palidez desconcertante.

A partir dali eu já não estava mais em São Paulo, me transportei, como num passe de mágica, para aquela cidadezinha sueca no momento em que os dois se viram pela primeira vez. Preferi apenas olhar, lá de longe, “de onde toda beleza do mundo se esconde”.

Oskar e Eli talvez não soubessem, mas começavam a viver o primeiro amor, que não surge dos olhares sem graça, das bochechas com vergonha e de um convite para jantar, ele chega sorrateiro como o vento, assoprando as pequenas brigas e os pseudos ódios. Demora algum tempo para perceber quando se tem apenas 12 anos.

O que refletia no olhar azul de Eli era o segredo que carregava. Sem sentir frio, ela vagava pelas geladas madrugadas e ruas escuras em busca de sobrevivência, que, no seu caso, vinha das abruptas sugadas quando seus caninos afiavam-se. Sim, ela virava vampira. Uma vampira triste e solitária. Na versão menina, Eli, finalmente, estava feliz junto de Oskar, depois que inventaram seus próprios signos. Depois que o amor podia ser vivido dentro de uma caixa, de um jeito só deles.

“Deixe Ela Entrar” já estava no final e, enquanto eu voltava para minha cadeira, lembrei das coisas do primeiro amor, ao mesmo tempo que Thirteen, do Ben Kweller, me veio à cabeça com seus protagonistas adolescentes diantes das maluquices de um amor pueril.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Mudando

Um dia acordamos e nossos cabelos estavam cor-de-rosa. Nossas unhas estavam comidas e usávamos uma meia de cada cor. Nossa cama não ficava mais embaixo da janela, nem a porta tinha a mesma fechadura. Um dia acordamos e o vizinho ouvia rock. Os sinos da igreja não tocavam mais e o vendedor de cocada oferecia agora tapioca. Um dia acordamos e o "bom dia" se trasformou em "Ul-tra-gaaaaaaaaaaaaaaaaaaz". Os pratos se empilhavam na pia e o mensageiro dos ventos, com o vento, fazia bossa-nova.

Um dia acordamos e vimos um mundo pela janela. E os nossos corações, de tão vagabundos, guardaram esse mundo é dentro da gente.


Bem-vindos ao novo mundo das Meninas de lá.


PS: como um segredo, soprado em seu ouvido, peço desculpas menina de lá, por um dia de amiga que virou bagunça.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Passeio


O cara estava lá e eu nem para agradecê-lo por seus versos simples e divinos, como estes de Prezado Cidadão: "Colabore com a Lei. Colabore com a Light. Mantenha luz própria". Chacal. Ele estava no aeroporto de Confins, no município de Confins, onde no mês de março resolvi passar a noite, convencida de que em Confins existiria ao menos alguns hotéis de beira de estrada. Caidaços, vai. Nada. Coloquei uma amiga na maior roubada, só existia uma pensão naquele lugar e estava ocupada por jogadores de futebol mirins. O fim que se deu foi que os moleques, muito gentis, acabaram cedendo um quarto pra gente, e dormimos as duas em uma cama rodeada por chuteiras, meiões e otras cositas más. A barriga doendo de tanto rir. Tiramos fotos com os garotos e pagamos 10 reais pelo quarto pra mocinha que tinha sugerido que ficássemos em um hotel-fazenda perto dali, 150 paus a diária. Vamos dormir na praça, Vivi? "Pirou?". Mas os garotos foram legais e deixaram a gente ficar com o quarto deles. "Meu nome é Sérgio e eu sou de Maceió, jogo no time tal. E esse é o Roberto, ele é de Belo Horizonte mesmo. Tira uma foto com a gente?".

Voltei pra Minas, Minas querida, Minas das ruas tortuosas, dos ipês amarelos, das namoradeiras na janela, das montanhas. "Olha aquela ali! Não parece o rosto de uma bruxa?". A lembrança que eu tinha de Ouro Preto era de apenas uma rua, escura e cheia de artesanatos, pessoas munidas de sacolas. A Pó usando uma faixa colorida, um instrumento que fizemos em uma oficina e até hoje ocupa a sala da minha casa.

Dessa vez, um rapaz muito simpático tirou um retrato perto da igreja de Aleijadinho enquanto o moço observava. Minutos depois, o moço me cutucou: "Que sorte, hein? O rapaz sabia mesmo tirar foto. Muita sorte". Deu tempo para comer torresmo ouvindo Fatboy Slim. O garçom ouropretano era simpático, risonho, parecia que a qualquer momento desataria a falar bem da cidade. Já reparei: tem aqueles mineiros que falam rindo. E com essa leveza de quem não diferencia fala de riso contam com naturalidade a desconhecidos que um ex-namorado da irmã dizia que, nos almoços familiares, as mulheres acabariam inevitavelmente falando sobre cabelos.

De manhã, em volta do hotel nuvens e mais nuvens. O tempo faz que não vai abrir, mas abre. E depois fecha, chove, o sol nasce ligeiro e some ligeiro também. Torço para fazer frio, mas está quente. Uma jovem bonita talvez sinta pela primeira vez em muito tempo o calor enrubecescendo-lhe as bochechas.

Deu pra perceber que certas coisas mudam: um boteco bacanudo virou um bar comum, com música sertaneja e simpáticos moradores (e um casal de franceses, tão à vontade como se estivesse sentado em frente ao antigo Café Le Procope, em Paris). As coisas mudam e continuam perfeitas.

O mundo, Adélia, deve estar mesmo certo.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

O jardim de Agda


"Meu nome não é Agda, é Raimunda", ela diz. Pequenina, magrinha, sorriso fácil. "Minha mãe devia estar com raiva quando me registrou", acrescenta, como se já tivesse falado aquilo antes uma porção de vezes. Agda é pernambucana de uma cidade chamada Flores. Onde é? "Bem no sertão de Pernambuco". Trabalhou como metalúrgica e copeira antes de vender cachorro quente. Acomoda a salsicha no pão, temperando-a com pimenta, cebola "e outras coisas". Adora inventar moda e, normalmente, avisa, suas criações fazem sucesso no bairro por onde circula. "Não tem graça vender o que todo mundo vende". Pergunto pra Agda o que é mais importante quando se faz cachorro quente, esperando que ela responda o que já afirmara enquanto observava a salsicha na panela: carinho, amor. "Fazer as coisas com carinho, amor, cuidado mesmo, sabe? Gostar do que faz". Ela disse. "Tem gente que fica meio assim quando alguém pede pra fazer algo diferente, fica preocupado. Eu, não, eu penso 'que bom, é minha chance de aprender a fazer um tempero novo'. A gente precisa ter bom humor". Ela tem de ir. "Esqueci de te falar que sempre trago as cebolas cortadas porque tenho um problema com cebolas. Elas sempre me emocionam". Agda não deve ganhar um baita salário. Às vezes, provavelmente sente vontade de abrir a porta da rua e sair. No Natal, enquanto recheia dezenas de sanduíches para desconhecidos, talvez pense em uma tia-avó que ainda hoje vive em Flores e, mesmo sem querer, sinta o cheiro da massa do acarajé ficando pronta. Mas Agda tem o maior tesão no que faz. Isso me dá o maior tesão de continuar.