terça-feira, 26 de agosto de 2008

A bailarina


De coque no cabelo, collant cor-de-rosa e sapatilhas penduradas na mochila, lá ia Teca para mais uma aula de balé. Um “pliet” aqui, um “pas de deux” acolá e a postura sempre reta faziam a menina de 11 anos parecer a mais experiente das bailarinas. Todos os dias a mesma rotina de ensaios, o penteado impecável, os saltos, os giros, joelhos esticados e ponta de pé. Tudo, sempre, nas pontas dos pés.

Teca era a garota dos sonhos de todos os menininhos de sua idade, a aluna nota dez. Era a melhor amiga, a irmã companheira, a filha exemplar e, apesar de ser apenas uma criança, já era uma bailarina completa. Tinha uma rigidez quase adulta e era pontual como poucos.

Certa vez, um moço que assistia Teca rodopiando entre um “fouetté” e outro, compôs uma ciranda só para ela:

“Procurando bem
Todo mundo tem pereba
Marca de bexiga ou vacina
E tem piriri, tem lombriga,
tem ameba
Só a bailarina que não tem”

“...Todo mundo tem
um primeiro namorado
Só a bailarina que não tem
Sujo atrás da orelha
Bigode de groselha
Calcinha um pouco velha
Ela não tem...”

A menina de olhos verdes e lábios rosadinhos tinha mesmo uma perfeição particular. Vendavais podiam passar, as casas serem chacoalhadas e nada tirava o sorriso e a dança da bailarina.

De tanto observar Teca descobri um segredo, daqueles que só o escuro da noite é capaz de desvendar. Quando todos estavam dormindo, ela descia as escadas de casa na pontinha dos pés, porém sem as velhas amigas sapatilhas. Passava pela sala e atravessava a cozinha até chegar à dispensa. Não demorava muito e tomava um copo cheio de groselha, quase sem água. A mãe da bailarina nunca a proibiu de tomar aquele xarope, mas desconfio que a menina também queria ter uma travessura, igual a todas as crianças. Foi assim que ela contrariou a frase do poeta: “só a bailarina que não tem”. Agora ela tinha.


Além das bolachinhas de nata, da Mary Poppins e do Snoopy, a Ciranda da Bailarina, de Chico Buarque e Edu Lobo, uma das belas canções de O Grande Circo Místico, me faz voltar no tempo da infância e me sentir mais feliz nessa terça-feira de sol.

Ouça aqui:

Boomp3.com

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Tiradentes


"Em Minas Gerais, sou mineiro."

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Espuma de fumaça


"Hoje estou meio molenga, mais zen", eu falei, antes de sair do reiki. Então, caminhando em direção à porta, uma mensagem dele. "Por onde anda o meu amor?". Feliz, eu começo a digitar a resposta e a porta faz "clec". Abro. Cadê? Alguns segundos parada, com a chave em mãos. Toquei a campainha de novo, ela atendeu, espantou-se. Eu, por um segundo, quis rir. Noutro segundo, uma avalanche de ligações para resolver questões práticas. Adiós, Oprah's Cookbook, terninho preto, lenço verde, vestido listrado. No painel, tinha um bilhete do meu pai: "bom dia, filha, tente voltar cedo, ok?".

Quando te roubam alguma coisa, você fica pensando por que diacho aconteceu com você. Centenas de carros estacionados na Vila Madalena, melhores que o meu, estacionados em algum beco, talvez até abertos, por distração do dono. Era novo, mas já tinha um adesivo da bandeira da Itália, um rádio bacana. Era novo, tinha ainda plástico no banco do motorista. Puxa! Não fiquei me lamentando, chorosa. Mas quando te roubam alguma coisa você fica pensando por que, e relembrando os momentos que antecederam o clec da porta e a visão da calçada vazia. Vazia feito sorriso de palhaço.

Lembrei que reparei mais no terninho preto naquele dia, fiquei me olhando no espelho e pensando que a manga do vestido era muito gorda e pedia um casaco mais folgado. Lembrei quando tranquei o carro e tive a sensação de que ia ser roubado. "Vou levar o livro comigo. Não, que besteira, deixa o livro aí". O momento em que, sentada na varanda, domingo, enquanto a família conversava sobre o carro, eu disse "mãe, precisamos levar pra benzer, duas batidas em uma semana". E não é que, naquela tarde de terça-feira, a mãe, sem saber de nada, entrou em uma loja na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, e comprou uma medalha de Santa Lourdes?

Penso o que teria acontecido se eu não tivesse transferido o reiki para a manhã de terça-feira, ou se deixasse o carro na rua, ao invés de estacioná-lo na calçada, em frente ao instituto (teria conseguido a vaga se parasse antes na padaria?). Por um segundo eu não mandei uma mensagem para ele dizendo que estava na Vila, procurando algum canto charmoso para tomar café, antes de trabalhar.

Sem dramas. Mas essas coisas fazem a gente ficar matutando. Quem foi o sujeito que levou meu carro? Não dá pra ficar revoltadinha e reclamar, fingir que só existem os meus problemas de clásse média. Mas dá uma certa tristeza, aquela sensação de que tudo pode acontecer a qualquer momento e, aliás, seria normal se estivesse acontecendo agora, não está sabe-se lá por que, sorte. Vontade de morar numa casinha longe daqui, no mato, cuidar de uma horta, colher fruta, regar uma flor. Eu vou, de vez em quando. A terra no pé, quase ninguém vê. Mas eu vou.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Do campo


Estou contando os minutos, os segundos e a medida de tempo que ainda nem foi inventada.

Vou dizer que apesar de pura e ardente esta angústia, e perfeita a agonia, chega de saudade. E ele vai inventar uma frase só dele e vai ganhar da Cecília Meireles.

Penso em comprar um buquê de flores do campo que possa fazê-lo sorrir como faz uma nascente de um pequeno sítio. E se ele perguntar "menininha, onde você achou isso?", vou sorrir de canto de boca e dizer:

"Achei, achei por aí..."

Se ele insistir, eu tento:

"Eu descobri uma fórmula mágica nas últimas 216 horas"

Ele pode não acreditar, mas vai sorrir. E o sorriso dele é o lugar mais quentinho do mundo.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Os olhos azuis de Luiza



Desde pequena, os olhos azuis de Luiza eram maiores que a boca, que o nariz, que tudo. Luiza era só olhos azuis e ela sabia disso. E adorava. Era como se o mundo todo estivesse ali, dentro daqueles olhos azuis, mesmo que ela não conhecesse nada deste mundo todo.

Luiza sabia muito bem exibir os olhos azuis, que ficavam mais azuis quando sorria ou quando fazia aquela cara - uma carinha que só Luiza sabia fazer, espremendo os olhinhos azuis - e todo mundo achava graça. Luiza espalhava o azul de seus olhos pela praça em frente à casa, na escola, na livraria...e o azul dos olhos azuis de Luiza enfeitiçava todo mundo e, como passe-de-mágica, todo mundo se apaixonava. Luiza, com seus olhos azuis, era a alegria da gente.

Quando Luiza cresceu, seus olhos azuis ficaram do tamanho da lua. Lua cheia, porque os olhos azuis de Luiza eram tão grandes, tão grandes, que todo mundo via de longe. Foi quando um moço deu de cara com os olhos azuis de Luiza e, instantaneamente, parou. Pegou um lápis, um papel e se pôs a escrever enquanto Luiza, com seus olhos azuis, partia. Toda a cidade já estava curiosa pra saber o que tanto escrevia o moço, hipnotizado pelos olhos azuis de Luiza.

De repente, se levantou e, acarinhando as teclas do piano, com sua voz deliciosamente desafinada, o moço, enfim, cantarolou a poesia que escreveu em homenagem à Luiza...a Luiza que tantos conheceram e, intensamente, amaram.