sexta-feira, 23 de outubro de 2009

renascendo


Acho tão delicado esse texto da Cris Guerra que acabo de encontrar por acaso na bagunça do meu gmail. E como ele me lembra os primeiros passinhos das Meninas, quando a gente descobriu o Para Francisco e se encantou pelo blog, achei que 'Sobre o amor' tinha tudo a ver com esse novo começo.

"Quando nasce um amor novo, é difícil resistir à tentação de alimentá-lo só com a presença. Mas é preciso deixar o amor respirar. Se você colocar uma flor bem bonita dentro de uma redoma, com medo que o vento e o tempo levem sua beleza, manterá por muito pouco tempo o que dela é bonito.

O que eu aprendi sobre o amor, filho, é que ele é feito de faltas e presenças. E que nenhuma das duas pode faltar.

Aprendi que o amor é feito de liberdade. É como ter, todos os dias, muitas outras opções. E ainda assim fazer a mesma livre escolha.

Dessas pequenas vitórias se faz a alegria de amar e ser amado. Descobrir no olhar do outro que você foi escolhido de novo. E de novo, mais uma vez.

Também aprendi que o amor interrompido em seu auge permanece bonito para sempre. O que pode ser muito doído ou pode ser um presente. Depende de como a gente quer guardar. Depende de como a gente quer seguir.

O amor é feito de falta, filho. Mas aí mora um perigo: adorar mais a falta que o próprio amor. Posso cometer esse erro diante de quem amo ou diante da própria falta. E aí quem passa a faltar sou eu mesma.

O amor é feito de falta, mas não sobrevive sem a presença. O amor é feito de hoje.

Por isso, ao ver a ida do seu pai, meu coração deu um nó. Como continuar minha caminhada, como não olhar para trás, se vinha de lá a nova presença, o novo amor?

Você é feito do amor de ontem, cresce amor de hoje e vai ser amor de amanhã. Você me trouxe a alegria de continuar amando o seu pai. Aquele que conheci, com quem vivi cada hoje com intensidade e delicadeza. Aquele por quem lutei, com quem briguei. Aquele que me transformou e que se deixou transformar por meu amor.

Você e ele, juntos, me trouxeram o milagre de continuar amando a mim mesma.

A falta do seu pai doeu ontem e dói ainda hoje. Mas não é a mesma dor. Com esse amor, tento transformar a dor de hoje em uma dor diferente amanhã.

O que aprendi sobre o amor é que ele deve estar sempre distraído. Mas quando falta o objeto do amor é o contrário: melhor não se distrair nunca.

O que aprendi sobre o amor - e isso aprendi sobre o amor a mim mesma - é que ele exige de mim, todos os dias, um esforço. Um exercício diário do qual não posso abrir mão.

É como estar num mar profundo, sem barco ou bóia. Não posso simplesmente boiar. Posso relaxar um pouco, mas logo retomo o nado. Não posso boiar, não posso, não posso. A onda pode me levar".

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

A causa

Não acreditava nela. nunca acreditei. sempre achei que era desculpa para reclamar, para comer, para chorar. Mas de um tempo pra cá, descobri que ela existe e, pra mim, tem hora marcada para começar. Quando o choro chega sem razão, quando o grito explode injusto contra ele, quando o coração aperta e se fecha como concha que esconde pérola, quando o armário fica pequeno diante do meu desespero, quando as sobremesas se tornam parte obrigatória dos meus dias, é batata, na cartela de pílulas restam apenas 4.

Tem Poesia de Menos nesses dias.

sábado, 17 de outubro de 2009

Cumpleaños feliz às meninas de lá

Foi no dia 12, mas a vida atribulada nos fez passar a data em branco.

2 anos.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

sirva num prato vermelho


Hoje comecei a dançar flamenco. Foi minha quarta ou quinta aula, mas só comecei hoje, quando depois de um sonho engraçado acordei com desejo de espantar os cacos, varrer a sala, vestir saia rodada cor-de-rosa e sorrir, mesmo sabendo que a vida tem seu ritmo e nem sempre conseguimos acompanhar os passos. Afinal de contas, mesmo com toda vontade de acertar, uma hora o sapato não saiu dos pés e tropecei? E não consegui acertar o passo para trás, então improvisei as mesmas batidas de um jeito diferente. A professora nem reparou, a colega ao lado viu e comentou: "Você não tá conseguindo fazer, né?". E eu respondi, sem vergonha: "Não tô". Não me levei a sério, nem se me pedissem levava, nem se brigassem comigo levava. Foi a mesma mulher que correu atrás de mim quando deixava a sala, sugerindo afetuosamente como quem gostaria muito daquilo: "Venha também às quintas, a gente arrumou um horário". Hoje eu dancei divertida, insolente, metidazinha entendendo o movimento dos braços, a posição dos ombros. Conversei com o espelho. Oi, garota, sim esta é você, é você quem está aqui e se não acertar o passo, mesmo que seja errando, não vai ter dança, ninguém vai fazer por você. Ei, garota, é com você, com essas pernocas e esse cabelo cacheado de dormir molhado, se está calor liga o ventilador e passa pano no espelho embaçado, se não entende português, desliga o rádio e escuta as palmas, bota flor no cabelo, que se for pra morrer seja de morte gostosa, é com você, garota.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Caramelo

O cheirinho de açúcar queimado tornava quente a sala escura. O fervilhar da panela foi a trilha sonora da segunda-feira fria. E o caramelo derreteu as cordas que apertavam o coração. Digo, uma parte delas...Caramelo foi, sem dúvida, a surpresa mais doce em uma semana de inspiração vermelha, em que bexigas em formato de coração decoravam as vitrines cafonas da capital gelada.

No líbano, os desejos e ansiedades delas são iguais aos nossos e, em cada cena, eu me lembrava da gente. Das vezes que nos encontramos para chorar, mas tudo sempre acabava em risada. Da amizade que começou com corações partidos, das noites dançantes cuja lembrança mais forte é uma delas sentada no lixo. Lembrei das viagens, que íam de café da manhã em frente ao mar e cinco sobremesas a banho gelado e miojo pré-samba na areia. Lembrei dos sonhos e dos planos frustrados, das risadas intermináveis e dos segredos bem-guardados.

Enfim, Caramelo é um delicioso filme sobre mulheres, suas belezas, suas dores, inseguraças e amores....histórias verdadeiras e comuns nos quatro cantos do mundo. E como não se apaixonar? Se apaixonar por elas, mulheres, por nós mesmas, por aquela que atravessa rua com saia rodada ou por aquela que chora escondida, trancada no banheiro do escritório. Como não se apaixonar até por aquela que, com o coração encolhido, finge discar errado como se fosse possível esconder de mim que o olhar pernambucano anda carregado de tristeza.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Ponto


"O mundo é feito de pontos. São muitos se forem pontos de vista. Poucos se forem pontos estratégicos. Muito úmidos se forem pontos de chuva. O mais gostoso é ponto de encontro, mas às vezes desencontra. Ou pontos de luz, um homem e uma mulher nus. Todos são pontos. O caminho entre dois uma reta. Uma linha. Um caminho que caminha sozinho. Fim da linha. Ou do fio. Fio da meada é na conversa. Conversas são feitas de pontos de enfoque. O palco também. Amores são pontos em comum. Os pontos são um."

Estrela Ruiz Leminski

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Catarina


Catarina tem olhos pequenos como as sementinhas de uma romã. É sardenta e fala coisas especialmente engraçadas quando ditas por uma garota de 8 anos. Gosta do seu mundo todo em preto e branco, embora se sinta feliz quando desenha castelos gigantes e coloridos com sua caixa de giz de cera. A pontinha de seu nariz é levemente avermelhada, dando a impressão de que a menina está sempre gripada. Talvez esse seja o seu charme, um tanto torto, mas um lindo charme.

Seu doce favorito é um doce no plural. São as famosas bolinhas feitas à base de leite condensado e chocolate, cobertas com granulado. Quase todas as tardes, ao final da aula de natação, a mocinha come alguns exemplares da sobremesa. E isso, nos vestiários, não passou sem ganhar gracejos vindos de seus colegas das piscinas, que apelidaram-na de Maria Brigadeiro. Ela não apreciou muito a alcunha, no entanto, também não reclamou.

Fica encantada quando senta na janela do ônibus e consegue avistar tudo o que se passa pelas ruas: pernas apressadas, pessoas sentadas na varanda, conversas entrecortadas, vitrines que atravessam rapidamente seu olhar, crianças brincando. Aliás, ela também é uma criança que costuma passar horas na rua se divertindo com os vizinhos. É esconde-esconde, pega-pega, barra-bandeira e mais um monte de passatempos com hífens.

Apesar da pouca idade, Catarina adora repetir a frase que mais sai da boca de sua mãe: "viver é muito perigoso." Mas talvez ela ainda não saiba o que um tal de Guimarães Rosa quis dizer com isso. Na verdade, nem Catarina nem eu.

terça-feira, 10 de março de 2009

Ah, a poesia!

Na deliciosa Casa de Beatriz, ela, que não chama Beatriz, recorreu sabiamente à poesia de Drummond quando o coraçao desistiu de procurar as palavras que insistiam em não aparecer. Eu, que adoro aquela casa, faço o mesmo e entrego a Bandeira a tarefa de traduzir em poesia as palavras perdidas daquele meu vagabundo coração.

O Rio

Ser como o rio que deflui
Silencioso dentro da noite.
Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas nos céus, refletí-las.
E se os céus se pejam de nuvens,
Como o rio as nuvens são água,
Refleti-las também sem mágoa
Nas profundidades tranquilas.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Minhas meninas


Faz tempo que não vejo minhas meninas, mas mato a saudade com pequenas doses diárias de boas lembranças. Ontem mesmo, quando finalmente fui ao Tampopo e a Claudia me disse que a cliente-fundadora, a responsável pela proliferação de (ex) puquianas era a Georgia lembrei de uma ocasião em que ela apareceu toda linda com os cachos soltos e brilhantes, causando alvoroço. Lembrei como adoro a sua risada: mesmo quando é tímida, é grande e solta. Parece que a qualquer momento ela vai ter um ataque de riso, o que me dá ainda mais vontade de rir. Todos os dias eu imagino como deve estar a Jo em sua casinha amarela tão cheia de amor. Será que o emprego novo é bacana? Será que ela consegue enganar o editor e, cheia de graça, botar uma raspa de poesia em tudo que escreve? Penso na Jé. Ela, com sua incrível habilidade de ouvir, sempre arruma um tempo para de alguma forma me abraçar e dizer "ei, Benito, estou aqui". Tenho saudade das nossas tardes preguiçosas na Benê, das cervejas de domingo no velho Arpege. Espio o blog da Aninha e fico feliz da vida vendo que tenha visitado a cidade que tanto a enche de alegria. Ela me delicia com suas aventuras cinematográficas. Tudo está impecavelmente caprichado, muito bonito. Todas essas sensações e lembranças carinhosas viram um filme na minha cabeça, daqueles que a gente não sabe explicar por quê gosta tanto, nem interessa quem fez ou como vai terminar, daqueles que amaciam, esquentam e viram um post açucarado, doce e feliz, e a vontade é a de ilustrá-lo com nada mais nada menos do que um rechonchudo coração.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

A você com carinho

uma mensagenzinha carinhosa a todos que nos acompanham por aqui.

Querida M.

Estou ausente. eu sei. mas não é proposital. juro. quando comecei tudo isso prometi nunca desaparecer. mas menti. queria estar ao seu lado todos os dias. mas não pude. falhei. deixei o trabalho a casa a dor o dia-a-dia passarem na sua frente. nao consegui traduzir tudo isso de modo que entendesse. do modo que sei. escrevendo. queria ter te contado sobre o dia divertidíssimo que passei em um parque de diversões após 12 anos. queria ter te contado sobre a conversa fervorosa que ouvi de enxerida sobre Woody Allen. queria ter te contado sobre como chorei nos últimos dias porque descobri que a vida nao é sempre cor-de-rosa. queria ter te contato sobre quando caí de bumbum da escada e ela, em desepero, disse que me amava, com uma pomada na mao. queria ter te contado sobre a minha relação com a minha mãe, a mulher mais fantástica que conheço. queria ter te contado sobre um bêbado quarando ao sol. queria ter te contado tantas coisas. mas não consegui. não dei a atençao que você merece. mas hoje estou aqui pra dizer como você é importante pra mim. o quanto você me motiva. o quanto me faz sentir valorizada e capaz. queria te dizer que descobri que também é por você que escrevo. para que você me acompanhe. me questione. me conheça. me reprove. me ajude. me entenda. obrigada M. Não prometo, mas quero muito voltar todos os dias pra você.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Infinito particular


Hoje eu quero a música da Virgínia Rodrigues que toca agora na linda casa terracota quente e florida da amiga onde amorosamente fui acolhida esses dias.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Circense

Passaram dias no escuro
Quando, repentinamente, a vela acendeu
E a moça fugiu

Correu e correu até que se cansou
Bebeu água de coco
E então caiu

Acordou embalada
Por um solavanco
E depois sorriu

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Da estrela cadente

Suicídio

uma estrela
promete se jogar
antes que o sol
encontre o mar.

domingo, 25 de janeiro de 2009

Pra gente

Ilustração: Dinho

Disseram que roda gigante sara qualquer dor e, por isso, te convidei. Disseram que um cachorro colocaria de novo um sorriso na gente e, por isso, você me deu um Golden de presente. Disseram também que um casamento no interior reuniria as mãos e, por isso, comprei um vestido novo. Disseram que uma série de TV colocaria sua cabeça no meu colo novamente, por isso, você trouxe “Law & Order” para depois da novela. Disseram que uma sexta-feira com amigos traria de volta as gargalhadas no carro, por isso, te puxei pela mão. Disseram que varrer a cozinha tira a sujeira do meio da gente, por isso, você fez isso durante sete dias.

Mentiram pra gente na maior cara-de-pau.

Isso tudo que buscávamos só a gente sozinho na gente podia dar. Só a gente descobrindo na gente que é um pelo outro que brilham os olhos. Só a gente ouvindo da gente que é um pelo outro que somos alguém melhor. Só a gente gritando pra gente que é um pelo outro que enfrentamos o mundo. Só a gente mostrando pra gente que é um pelo outro que brigamos com a gente mesmo.

Só a gente sozinho na gente fez com que nos lembrássemos do amor. E nos abraçamos em silêncio porque “as palavras de boca é que nem tentavam sair, tornavam ao coração caladas como vinham” (Machado de Assis em Dom Casmurro)

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Presentinho


Para as meninas de lá!

Juntas


Algumas coisas diferentes, mas tudo continua igual. Agora temos uma mesa grande de madeira em que podemos passar horas fofocando sem ter que nos preocupar com a conta, com o volume da voz ou com o horário. Nela podemos deixar as garrafas de vinho, cigarros, entradinhas e conversas que não acabam mais espalhadas.

A essência, que é a mesma desde aqueles primeiros encontros, está cada vez mais gostosa. O começo é sempre o mesmo. Um dia uma tinha o encontro com o namorado, no outro a outra teria que trabalhar até mais tarde e outra vez, todas elas acabaram desistindo. O bom é que no final não desistimos.

A morada dessa mesa cheia de histórias é a nova casinha amarela da Jobs. Como sempre, o cardápio eleito foi macarrão. Dessa vez com a preocupação de mudar a receita para uma mais leve. A cena era a mesma de uns quatro anos atrás. Eu estava sentada cortando o tomate, a Jô tentava deixar a desorganização um pouco mais organizada, a Aninha fazia a sobremesa (brigadeiro, lógico), a Geo se preocupava em ter tudo para a noite, vinhos, água com gás e etc. e a Nana... humm... ainda tentava achar as panelas para alguma coisa que nem ela lembrava mais.

Jornalismo, trabalho, filmes, Brad Pitt, a cachorrinha nova da casa, namorados, crises, dúvidas, viagens, planos... foi tanta coisa que não houve nem um segundo de silêncio. Até lembranças como a Selma, professora tarada, fez parte da roda de conversas.

Foi tão gostoso que hoje, depois de ter chegado quase três da manhã em casa, me peguei pensando e tive um certo medo. Será que vamos continuar tendo nossos momentos juntas? Quando o mundo inteiro em volta parece parar. Espero que sim pq são esses momentos que constroem e que fazem a vida valer cada tantinho.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

três


Em três anos, dá tempo de se formar na faculdade, mudar de emprego quatro vezes, fazer novos amigos, viajar para lugares (des)conhecidos, mudar e desmudar o rumo umas quinhentas vezes. Dá tempo também de ter uma série de crises existenciais, sofrer, sorrir, tomar porres inúmeros e memoráveis. Fazer três animadas fextinhas de aniversário, assistir filmes, conhecer novas músicas, descobrir interesses, se emocionar.
Em três anos, a gente desiste, e depois volta a insistir.
E tanta coisa que cabe em três anos, que dá para imaginar como é difícil transpor para palavras tudo que vivemos desde aquele dia de 2006. Ou, para ir ainda mais longe, aquele dia em 2004 onde nossos olhos cruzaram-se pela primeira vez em um encontro improvável. Eu, com uma sandália plataforma gigante e uma bolsa de girafa, tinha acabado de terminar o cursinho. Uma criança, mas que já sabia fazer cara de metida. Você com aquele brilho nos olhos, um brilho malandro, de quem está sempre observando e tirando conclusões pertinentes.
Pele morena, cachos, barba rala...

Um ano e meio depois, idas e vindas, um telefonema (meu) e a gente estava no O do Borogodó. Por que eu liguei no dia 19 de janeiro para desejar feliz natal a um paquerinha que não via há tempos? Nem eu sei. Por mais longe que a minha racionalidade chegue, certas coisas eu não consigo explicar. Intuição. Palavrinha carregada de sentido e responsável pelas nossas melhores escolhas.
Ele é o único que sabe lidar com a minha rabugice. Tem o antídoto perfeito: ou me ignora, ou me faz rir.
Do lado dele, nenhum dos problemas tem o tamanho que eu lhes dou. A redução costuma ser de quase 100%.
Quando eu perco a certeza, é nele que eu busco.
O futuro, a gente tenta planejar, mas não costuma dar muito certo.

Depois de tantas curvas, o inexplicável é que a vida sem ele perde um pouco a graça. A sensação é de um buraquinho que avisa todo dia, bem devagarinho, que alguma coisa está faltando.

E ele quem falta, meu menino.
E hoje são três anos de amor, amor estranho, baixo, alto, contente, triste, esquisito. O nosso amor!

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Aquela cantiga


Ando com muita saudade de Cordisburgo. Saudade de me aproximar daquela casinha azul e branca, ouvir o barulho do trem conversando com os trilhos, os pássaros cantando. Ver as crianças correndo pela rua, o casal lavando a vitrine da loja. Avistar o Brasinha lá de longe, com seu chapéu, e correr para um abraço. Os olhos azuis do Brasinha me acalmam. Sorrir para a Arlete, procurar a d. Antonieta, voltar ao jardim infinito da Calina. Comer o p.f do Gordo e adorar ficar a tarde toda no Gordo, observando a família trabalhando. Tomar banho de chuva. Caminhar até a igrejinha mais graciosa que já se viu e aceitar o café da d. Didi. Sentar atrás da igreja e escrever uma poesia. E então, como se o nó na garganta virasse de repente laço bonito enfeitando o cabelo, aplaudir, gostando sinceramente de tudo. As horas correndo devagar, porque o sertão é sem lugar. Comprar um colar de flor na loja da Sandra, mesmo sabendo que não vou conseguir usar de novo. Ouvir os miguilins contando histórias, claro, e lembrar como são bonitos os começos. Levar a goiabada da d. Xêra para minha avó e furtar um robusto pedaço de figo cristalizado. Cumprimentar o Juca Bananeira e cantar junto com o Sôroco a cantiga que ninguém entendia (mas todo mundo acompanhou com vozes tão altas!). E quando o ônibus se afastar da placa anunciando que acabou o dia, abrir os olhos sem medo do silêncio da próxima estação. "O senhor sabe o que o silêncio é? É a gente mesmo, demais."

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

O Porco



Estava o porco em seu lugar. Naquela época, aliás, ele ainda era no diminutivo um encantador porquinho. Contrariando a imaginação da menina, não tinha a pele rosada e muito menos manchas brancas pelo corpo. Tinha cor de caramelo e seus pêlos ouriçavam-se com qualquer barulho. Era um porco medroso.

Na fazenda onde morava quase não tinha amigos. Era um porco triste. Eusébio, nome que deram ao pobre animal, dividia seu mini-chiqueiro com outro de sua espécie. Porém, não era qualquer outro. Era o porco-dos-olhos do fazendeiro Zé e da dona Tica, sua esposa.

Eusébio não fazia muito sucesso com os visitantes e era motivo de chacota entre os demais. Talvez tenha sido por isso que, mesmo pequenino, tornou-se um porco rebelde. Também pudera, não tinha cinco dias que Eusébio estava no mundo e sua mãe sumiu. É. Foi levada à cozinha de dona Tica e de lá não saiu mais.

A única pessoa que gostou daquele porco foi uma menininha que passeava pela fazenda. Ah, se gostou. Tirou até foto com Eusébio e qualquer oportunidade que tinha mostrava para as pessoas e dizia: — Olha que fofurinha! O retrato foi obtido com muita dificuldade, já que o porquinho não parava de se mexer e gritar: nhóic, nhóic. Era um porco inquieto. A sorte dela era ter em sua companhia um bom fotógrafo.

A garota nunca mais viu o porco, mas sempre se lembrava dele. Era um porco inesquecível. Pensava que já tinha ouvido uma história parecida com a do porco diferente, tristonho e solitário. Até que certo dia, finalmente, descobriu que Eusébio estava no livro errado ao encontrar, na biblioteca da cidade, o raro exemplar de "O Porquinho Feio". Foi assim que ela desvendou o mistério.

Esse texto é dedicado a duas meninas de lá que, por momentos de insanidade, acreditaram que eu havia levado um porco para casa.