quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Passeio


O cara estava lá e eu nem para agradecê-lo por seus versos simples e divinos, como estes de Prezado Cidadão: "Colabore com a Lei. Colabore com a Light. Mantenha luz própria". Chacal. Ele estava no aeroporto de Confins, no município de Confins, onde no mês de março resolvi passar a noite, convencida de que em Confins existiria ao menos alguns hotéis de beira de estrada. Caidaços, vai. Nada. Coloquei uma amiga na maior roubada, só existia uma pensão naquele lugar e estava ocupada por jogadores de futebol mirins. O fim que se deu foi que os moleques, muito gentis, acabaram cedendo um quarto pra gente, e dormimos as duas em uma cama rodeada por chuteiras, meiões e otras cositas más. A barriga doendo de tanto rir. Tiramos fotos com os garotos e pagamos 10 reais pelo quarto pra mocinha que tinha sugerido que ficássemos em um hotel-fazenda perto dali, 150 paus a diária. Vamos dormir na praça, Vivi? "Pirou?". Mas os garotos foram legais e deixaram a gente ficar com o quarto deles. "Meu nome é Sérgio e eu sou de Maceió, jogo no time tal. E esse é o Roberto, ele é de Belo Horizonte mesmo. Tira uma foto com a gente?".

Voltei pra Minas, Minas querida, Minas das ruas tortuosas, dos ipês amarelos, das namoradeiras na janela, das montanhas. "Olha aquela ali! Não parece o rosto de uma bruxa?". A lembrança que eu tinha de Ouro Preto era de apenas uma rua, escura e cheia de artesanatos, pessoas munidas de sacolas. A Pó usando uma faixa colorida, um instrumento que fizemos em uma oficina e até hoje ocupa a sala da minha casa.

Dessa vez, um rapaz muito simpático tirou um retrato perto da igreja de Aleijadinho enquanto o moço observava. Minutos depois, o moço me cutucou: "Que sorte, hein? O rapaz sabia mesmo tirar foto. Muita sorte". Deu tempo para comer torresmo ouvindo Fatboy Slim. O garçom ouropretano era simpático, risonho, parecia que a qualquer momento desataria a falar bem da cidade. Já reparei: tem aqueles mineiros que falam rindo. E com essa leveza de quem não diferencia fala de riso contam com naturalidade a desconhecidos que um ex-namorado da irmã dizia que, nos almoços familiares, as mulheres acabariam inevitavelmente falando sobre cabelos.

De manhã, em volta do hotel nuvens e mais nuvens. O tempo faz que não vai abrir, mas abre. E depois fecha, chove, o sol nasce ligeiro e some ligeiro também. Torço para fazer frio, mas está quente. Uma jovem bonita talvez sinta pela primeira vez em muito tempo o calor enrubecescendo-lhe as bochechas.

Deu pra perceber que certas coisas mudam: um boteco bacanudo virou um bar comum, com música sertaneja e simpáticos moradores (e um casal de franceses, tão à vontade como se estivesse sentado em frente ao antigo Café Le Procope, em Paris). As coisas mudam e continuam perfeitas.

O mundo, Adélia, deve estar mesmo certo.

4 comentários:

Ana Elisa Faria disse...

Ai, que saudade danada de Ouro Preto!

Anônimo disse...

Saudades mesmo...dos caldinhos e doces de leite na sobremesa. e das janelas enormes, que observam atentas as marchinhas descendo as ladeiras.

marcela dantés disse...

ai que delícia ver as minhas Minas nas palavras lindas das meninas de lá.
iei!

Anônimo disse...

Na, querida. Seus textos são tão sinceros, gostosos e saborosos. Amo você, amiga. Muito.