sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Circense

Passaram dias no escuro
Quando, repentinamente, a vela acendeu
E a moça fugiu

Correu e correu até que se cansou
Bebeu água de coco
E então caiu

Acordou embalada
Por um solavanco
E depois sorriu

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Da estrela cadente

Suicídio

uma estrela
promete se jogar
antes que o sol
encontre o mar.

domingo, 25 de janeiro de 2009

Pra gente

Ilustração: Dinho

Disseram que roda gigante sara qualquer dor e, por isso, te convidei. Disseram que um cachorro colocaria de novo um sorriso na gente e, por isso, você me deu um Golden de presente. Disseram também que um casamento no interior reuniria as mãos e, por isso, comprei um vestido novo. Disseram que uma série de TV colocaria sua cabeça no meu colo novamente, por isso, você trouxe “Law & Order” para depois da novela. Disseram que uma sexta-feira com amigos traria de volta as gargalhadas no carro, por isso, te puxei pela mão. Disseram que varrer a cozinha tira a sujeira do meio da gente, por isso, você fez isso durante sete dias.

Mentiram pra gente na maior cara-de-pau.

Isso tudo que buscávamos só a gente sozinho na gente podia dar. Só a gente descobrindo na gente que é um pelo outro que brilham os olhos. Só a gente ouvindo da gente que é um pelo outro que somos alguém melhor. Só a gente gritando pra gente que é um pelo outro que enfrentamos o mundo. Só a gente mostrando pra gente que é um pelo outro que brigamos com a gente mesmo.

Só a gente sozinho na gente fez com que nos lembrássemos do amor. E nos abraçamos em silêncio porque “as palavras de boca é que nem tentavam sair, tornavam ao coração caladas como vinham” (Machado de Assis em Dom Casmurro)

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Presentinho


Para as meninas de lá!

Juntas


Algumas coisas diferentes, mas tudo continua igual. Agora temos uma mesa grande de madeira em que podemos passar horas fofocando sem ter que nos preocupar com a conta, com o volume da voz ou com o horário. Nela podemos deixar as garrafas de vinho, cigarros, entradinhas e conversas que não acabam mais espalhadas.

A essência, que é a mesma desde aqueles primeiros encontros, está cada vez mais gostosa. O começo é sempre o mesmo. Um dia uma tinha o encontro com o namorado, no outro a outra teria que trabalhar até mais tarde e outra vez, todas elas acabaram desistindo. O bom é que no final não desistimos.

A morada dessa mesa cheia de histórias é a nova casinha amarela da Jobs. Como sempre, o cardápio eleito foi macarrão. Dessa vez com a preocupação de mudar a receita para uma mais leve. A cena era a mesma de uns quatro anos atrás. Eu estava sentada cortando o tomate, a Jô tentava deixar a desorganização um pouco mais organizada, a Aninha fazia a sobremesa (brigadeiro, lógico), a Geo se preocupava em ter tudo para a noite, vinhos, água com gás e etc. e a Nana... humm... ainda tentava achar as panelas para alguma coisa que nem ela lembrava mais.

Jornalismo, trabalho, filmes, Brad Pitt, a cachorrinha nova da casa, namorados, crises, dúvidas, viagens, planos... foi tanta coisa que não houve nem um segundo de silêncio. Até lembranças como a Selma, professora tarada, fez parte da roda de conversas.

Foi tão gostoso que hoje, depois de ter chegado quase três da manhã em casa, me peguei pensando e tive um certo medo. Será que vamos continuar tendo nossos momentos juntas? Quando o mundo inteiro em volta parece parar. Espero que sim pq são esses momentos que constroem e que fazem a vida valer cada tantinho.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

três


Em três anos, dá tempo de se formar na faculdade, mudar de emprego quatro vezes, fazer novos amigos, viajar para lugares (des)conhecidos, mudar e desmudar o rumo umas quinhentas vezes. Dá tempo também de ter uma série de crises existenciais, sofrer, sorrir, tomar porres inúmeros e memoráveis. Fazer três animadas fextinhas de aniversário, assistir filmes, conhecer novas músicas, descobrir interesses, se emocionar.
Em três anos, a gente desiste, e depois volta a insistir.
E tanta coisa que cabe em três anos, que dá para imaginar como é difícil transpor para palavras tudo que vivemos desde aquele dia de 2006. Ou, para ir ainda mais longe, aquele dia em 2004 onde nossos olhos cruzaram-se pela primeira vez em um encontro improvável. Eu, com uma sandália plataforma gigante e uma bolsa de girafa, tinha acabado de terminar o cursinho. Uma criança, mas que já sabia fazer cara de metida. Você com aquele brilho nos olhos, um brilho malandro, de quem está sempre observando e tirando conclusões pertinentes.
Pele morena, cachos, barba rala...

Um ano e meio depois, idas e vindas, um telefonema (meu) e a gente estava no O do Borogodó. Por que eu liguei no dia 19 de janeiro para desejar feliz natal a um paquerinha que não via há tempos? Nem eu sei. Por mais longe que a minha racionalidade chegue, certas coisas eu não consigo explicar. Intuição. Palavrinha carregada de sentido e responsável pelas nossas melhores escolhas.
Ele é o único que sabe lidar com a minha rabugice. Tem o antídoto perfeito: ou me ignora, ou me faz rir.
Do lado dele, nenhum dos problemas tem o tamanho que eu lhes dou. A redução costuma ser de quase 100%.
Quando eu perco a certeza, é nele que eu busco.
O futuro, a gente tenta planejar, mas não costuma dar muito certo.

Depois de tantas curvas, o inexplicável é que a vida sem ele perde um pouco a graça. A sensação é de um buraquinho que avisa todo dia, bem devagarinho, que alguma coisa está faltando.

E ele quem falta, meu menino.
E hoje são três anos de amor, amor estranho, baixo, alto, contente, triste, esquisito. O nosso amor!

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Aquela cantiga


Ando com muita saudade de Cordisburgo. Saudade de me aproximar daquela casinha azul e branca, ouvir o barulho do trem conversando com os trilhos, os pássaros cantando. Ver as crianças correndo pela rua, o casal lavando a vitrine da loja. Avistar o Brasinha lá de longe, com seu chapéu, e correr para um abraço. Os olhos azuis do Brasinha me acalmam. Sorrir para a Arlete, procurar a d. Antonieta, voltar ao jardim infinito da Calina. Comer o p.f do Gordo e adorar ficar a tarde toda no Gordo, observando a família trabalhando. Tomar banho de chuva. Caminhar até a igrejinha mais graciosa que já se viu e aceitar o café da d. Didi. Sentar atrás da igreja e escrever uma poesia. E então, como se o nó na garganta virasse de repente laço bonito enfeitando o cabelo, aplaudir, gostando sinceramente de tudo. As horas correndo devagar, porque o sertão é sem lugar. Comprar um colar de flor na loja da Sandra, mesmo sabendo que não vou conseguir usar de novo. Ouvir os miguilins contando histórias, claro, e lembrar como são bonitos os começos. Levar a goiabada da d. Xêra para minha avó e furtar um robusto pedaço de figo cristalizado. Cumprimentar o Juca Bananeira e cantar junto com o Sôroco a cantiga que ninguém entendia (mas todo mundo acompanhou com vozes tão altas!). E quando o ônibus se afastar da placa anunciando que acabou o dia, abrir os olhos sem medo do silêncio da próxima estação. "O senhor sabe o que o silêncio é? É a gente mesmo, demais."

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

O Porco



Estava o porco em seu lugar. Naquela época, aliás, ele ainda era no diminutivo um encantador porquinho. Contrariando a imaginação da menina, não tinha a pele rosada e muito menos manchas brancas pelo corpo. Tinha cor de caramelo e seus pêlos ouriçavam-se com qualquer barulho. Era um porco medroso.

Na fazenda onde morava quase não tinha amigos. Era um porco triste. Eusébio, nome que deram ao pobre animal, dividia seu mini-chiqueiro com outro de sua espécie. Porém, não era qualquer outro. Era o porco-dos-olhos do fazendeiro Zé e da dona Tica, sua esposa.

Eusébio não fazia muito sucesso com os visitantes e era motivo de chacota entre os demais. Talvez tenha sido por isso que, mesmo pequenino, tornou-se um porco rebelde. Também pudera, não tinha cinco dias que Eusébio estava no mundo e sua mãe sumiu. É. Foi levada à cozinha de dona Tica e de lá não saiu mais.

A única pessoa que gostou daquele porco foi uma menininha que passeava pela fazenda. Ah, se gostou. Tirou até foto com Eusébio e qualquer oportunidade que tinha mostrava para as pessoas e dizia: — Olha que fofurinha! O retrato foi obtido com muita dificuldade, já que o porquinho não parava de se mexer e gritar: nhóic, nhóic. Era um porco inquieto. A sorte dela era ter em sua companhia um bom fotógrafo.

A garota nunca mais viu o porco, mas sempre se lembrava dele. Era um porco inesquecível. Pensava que já tinha ouvido uma história parecida com a do porco diferente, tristonho e solitário. Até que certo dia, finalmente, descobriu que Eusébio estava no livro errado ao encontrar, na biblioteca da cidade, o raro exemplar de "O Porquinho Feio". Foi assim que ela desvendou o mistério.

Esse texto é dedicado a duas meninas de lá que, por momentos de insanidade, acreditaram que eu havia levado um porco para casa.