sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Depois do Natal, vem o ano novo...


...e "As Meninas de Lá" resolveram aproveitar as férias! Mas elas estarão de volta na segunda-feira, dia 05/01/09.

Um lindo novo ano!

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Brincando


Numa noite de verão elas saíram para comer chocolate com morango. Foi quando avistaram, do outro lado da rua, uma festa que tinha pizza boa e tocava música alta. Rapidamente, entraram e dançaram no escuro.

Eram moças que não gostavam de planejar o futuro e adoravam curtir os típicos embalos de sábado à noite.

Sonharam tanto até que aquela dos cabelos enroladinhos e olhos que lembram bolas de gude quis virar trapezista.

Como nunca pára em casa, uma delas foi fazer uma viagem para um lugar cheio de dúvidas de meninas e de mulheres.

Nossas personagens comeram muita torta de limão para adoçar a travessia.

Despediram-se de uma história, mas contiuaram buscando explicações.

Num dia de sol, sentaram-se num velho balanço e fizeram algumas escolhas. O tempo passou e elas deram as mãos.

Fizeram uma viagem, no dia 14 de fevereiro, para o sertão despedaçado de Pacu.

Na volta, tomaram banho de chuva e cantaram embaixo dela.

Tiveram saudade, daquelas que apertam o peito e, caminhando, foram parar na cidade de Guimarães Rosa.

Conheceram coisas bizarras e no supermercado correram atrás de Nina.

Tiveram desejos, cantaram "Sereia" e foram brincar na roda gigante durante outra chuva de verão.

Mudaram de casa e comeram uma laranja e meia. Foi quando se depararam com Vincent, perdido numa noite qualquer pela cidade.

Comemoraram seus aniversários com direito a bolo e tudo.

Declararam que nada seria como antes e propuseram uma mudança. Mais tarde, mas ainda em tempo, acabaram indo lá para as bandas de Pedra Bela.

A menina que odeia mamão realizou um sonho amarelo e branco e foi se aventurar em uma linda casinha.

Enquanto aquela que adora Adélia voou, mais uma vez, para terras mineiras.

A da risada inconfundível conheceu seu amor vampiro.

Novamente juntas elas se divertiram com a máquina que dava moedas e quando o verão chegou quente, viraram Brisa mansinha e delicada.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Águas de dezembro


É um pingo pingando, é uma conta, é um ponto. Agora são as águas de dezembro, levando tudo o que a gente quer que leve. Tudo bem que às vezes algo que pedimos para permanecer muda e o que queremos que mude se mantém. Como costumava dizer uma pessoa querida, a graça da vida é a imperfeição.

Numa dessas andanças por blogs, achei a reflexão de uma moça sobre as vésperas das festas. Ela dizia que de uma certa forma essa coisa toda de lista de desejos, o-que-eu-quero-deixar-para-trás é muito incômoda, e que no fim a gente acaba sentindo um certo alívio quando tudo isso passa e o ano finalmente começa.

Mas são bonitos os rituais. A 25 de Março pipocada de pessoas no dia 22 de dezembro buscando presentes para a família e os amigos. "Muita gente deixou para fazer as compras em cima de hora", a repórter disse na tv como se tivesse cantado um bolão, como se todos os anos milhões de pessoas não fizessem suas compras poucos dias antes do Natal. Acho bonito ler textos e mais textos sobre recomeços e sonhos. Ver um menininho, quando desafiado a deixar aos telespectadores do jornal uma mensagem de Natal dizer simplesmente "feliz Natal", fazendo cara de espanto, desnudando o óbvio. Mas não é o que a gente faz todo fim de ano?

Fim de ano é mesmo isto: repetir quantas vezes for preciso a palavra coração, abraçar quem se ama e dizer talvez mais alto o que já foi dito o ano todo, se emocionar com as luzes todas acesas, acreditar que, no fundo no fundo, o bom velhinho existe nalgum lugar, molhar os pés na água de dezembro, seja ela da chuva ou do mar, e pedir com força que o mais ousado dos sonhos se realize. É por isso que no dia 2 de janeiro o incômodo vai embora: o sonho, de nosso, pessoal e intransferível, sai do peito e vira do mundo.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Aurora

A idéia fixa era presentes de natal. Porque agora, tudo é assim: nossa cama, nossa casa, nossas famílias, nossos presentes de natal. Eu, com o mau-humor esperado de quando estou com fome e pior, com fome em um shopping lotado, e ele com a paciência que lhe foi concedida pelos anjos lá do céu. Ambos de mãos dadas com nossas roupas de domingo, já havíamos cumprido 1/3 de nossos objetivos quando nos surge à frente a "Mascotes e Cia".
-Vamos dar uma passadinha, vai, só pra ver?
- Só pra ver, hein? ainda temos que comprar o restante dos presentes!
- Ok!
Mas ao entrar, ela estava ali. Uma bolinha de pêlos de 8,5 kg que só fazia correr, pular e mordiscar. Com a cara mais meiga do mundo, ela se encaixava em nossos braços e com a boca nos puxava pra brincar. E aquele olhar terno sem nenhuma dúvida pedia: me leva pra casa, por favor? Quase instantaneamente, os olhares se cruzaram e, nesse momento, todo o carinho do mundo foi traduzido em um sorriso. E ela veio com a gente pra casa. Veio selar nosso tempo de amor, veio fazer parte do começo de uma história, veio ser a surpresa que tanto queríamos para a menina amada dos cabelos de mola. Enfim, veio dar mais luz ao nosso lar, já tão ensolarado.

E o nome, não haveria de ser outro: Aurora.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Lista de desejos

Sentada no banco traseiro do táxi, ela observava o vai-e-vem desesperado dos carros em um dos principais cruzamentos da cidade. Além de buzinas e murmúrios das pessoas que por ali passavam, o que se ouvia era o som de “Jingle Bells” ou qualquer canção similar. Foi quando a moça tentou se lembrar da listinha de desejos que preparou nesta mesma época do ano anterior.

Após alguns minutos pensando, começou a rir de si mesma. Tudo bem que muita coisa, de um jeito torto ou de outro, tinha se “realizado”. Porém, outras tantas, sequer, passaram perto de acontecer. Mesmo assim, apesar do sorriso triste que ostentava naquele momento, ela estava feliz. E resolveu que neste final de ano faria diferente. Melhor, não faria. É, nada de listas.

Queria deixar que o correr da vida embrulhasse tudo, para que depois ela, a própria vida, desembrulhasse, como assim tinha lido nas veredas de Guimarães Rosa. Também aprendeu, desta vez com o budismo, que a vida é uma bela caixinha impermanente e que ninguém, ninguém mesmo é capaz de ter sempre as rédeas na mão.

Então, se desfez de qualquer possível catalogação de desejos e decidiu que manteria apenas a vontade de que tudo fosse, novamente, colorido como um quadro de Miró. E deixaria, mais uma vez, Fernando Pessoa conduzir seus pensamentos: “E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.”

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Cor-de-rosa


No ano passado esqueceu a receita. Já tinha até picado as cebolas, comprado potes coloridos. Rasgou, sem ressentimentos, como quem observa placidamente um desabafo escrito num velho diário queimar na fogueira, o barquinho partir até Yemanjá carregado de pedidos, como quem guarda uma foto no álbum querendo que ela permaneça bonita para sempre. Começou o ano sem quantidades, tempo de preparo, sem se importar se havia passado do ponto, temperado demais.

Começou sem saber direito onde estava, mas com a certeza de que deveria estar era mesmo ali, mergulhando no mar daquela ilha infinita, pedalando uma velha bicicleta na areia ora lisa ora fofa, cuidando mais do que sendo cuidada. Voltou para São Paulo com bicho de pé por ter aposentado durante uma semana as sandálias, óbvio. Mas estava tudo muito certo.

Foi gostando demais daquela coisa de não ter receita. Então pode acrescentar isso aqui? Não precisa tirar do forno agora? O ano seguiu como começou: uma bagunça boa.

O quadro com Gene Kelly dançando na chuva foi pendurado, conforme prometido. Hoje, está ao lado de Carmen Miranda e Charlie Chaplin na parede cor-de-rosa do quarto.

Vestiu-se dezenas de vezes de Adélia Prado. Desdobrou-se em muitas; sabe que será mais outras tantas. E encontrou uma casa na floresta sacrílega de Roberto Piva tão quentinha que fez nascer em seu coração, quem diria, a vontade de seguir uma nova receita, com todas as dores e delícias.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

ouvindo rádio

Tentava descobrir seu lugar. Seria no cais de Amado, ao lado de Guma, ou , quem sabe, dançando o tempo e o contratempo, seguindo os conselhos de Jorge Maravilha, aquele de Julinho de Adelaide?

Talvez fosse ao lado de Torquato, na sua despedida triste, metafísica, seu adeus nada objetivo. Não conseguia se descobrir. Por que se via muitas. A melancolia da voz de Tom, acompanhado das teclas do piano e o violão de Edu a embalavam, levando-a para bem longe. Sentia uma tristeza que nem era dela, era do mundo. Podia ser de Guma, podia ser de João. Eram todas juntas. Achava bonito sentir isso. “Vem, nem que seja só, pra dizer adeus...”

E de repente o violão alegre e a voz cortante daquele mineiro. Mais uma vez ele... Dessa vez acompanhado dos ecos otimistas de Beto. Juntos celebravam a vida, a amizade, o destino incerto. Uma entrega aparentemente sem medo, aquele velho conhecido. “deixar a sua luz brilhar e ser muito tranqüilo, deixar o seu amor e ser muito tranqüilo. Brilhar, brilhar, acontecer...” Seria ela uma melancólica otimista?

Nesse momento chegou Kim Carnes. Ela cantava os olhos de Bette, aqueles que devem ter hipnotizado muitos outros olhos. Kim contava histórias sobre aquela que tinha os olhos de Bette e deixava os homens todos desconcertados. Com Kim ela só fechava os olhos, sentia-se mais segura, como a se vida estivesse bem ali, na frente, esperando por ela. She knows just what it takes to make a pro blush. She’s got Bette Davis Eyes. ..

Mas veio Caetano e proclamou: nine out of ten movie stars make me cry. I’m alive! Feel the sound of music banging in my belly belly belly…. I know that one day I must die. I’m alive.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Brisa

Brisa arruma a mochila com as roupas velhas que irá usar no novo ano. Enfia tudo no pequeno espaço destinados a elas sem se preocupar se amassam ou não. Separa o vestido branco e a faixa colorida para o cabelo. Deixa as havainas ao lado para não esquecer de vesti-las e não deixar que a areia machuque seus pés. Mas Brisa sabe que perderá as havaianas e talvez a faixa do cabelo. Entorpecida, Brisa sentará em frente ao mar e vai dar gargalhadas na cara do futuro. As responsabilidades, os medos e angústias se perderão em meio à alegria fulminante e à desórbita dos olhares. Ela vai dançar de braços abertos e esquecer as novas disciplinas da nova faculdade, as contas atrasadas na estante, os desentendimentos, a rotina de seus dias...E vai rir como criança.

Ao nascer do dia, talvez Brisa chore por não se lembrar do amor. Talvez ela esqueça a dor e volte a ser feliz para sempre. Talvez ela vire estrela e pisque no céu cada vez que alguém, como ela, se perder nas noites sem luar.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Sem pé nem cabeça

Hoje eu acordei com a missão de escrever aqui. Enquanto tomava café, pensava em algo legal para contar. Pensei, pensei e nada.

Liguei a televisão e nem o Alex Atala, que estava no programa da Ana Maria Braga, me inspirou com alguma idéia incrível.

Pois bem, deixei o louro José falando sozinho e vim para o computador, o que não foi muito diferente. Parece que quando temos a “obrigação” de fazer alguma coisa, tudo fica mais difícil. Mas eu não queria desistir assim, tão rápido.

Um clique aqui, outro acolá e, inesperadamente, me surge a imagem da Olívia Palito, a mocinha magrela que namorava o marinheiro Popeye. Talvez tenha me lembrado das manhãs da infância, talvez não.

Sem muito nexo, resolvi colocá-la no post. Logo em seguida, pensei que nem tudo precisa ser tão explicado ou fazer tanto sentido, da mesma forma que a vida é.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Um pouco de água com açúcar

Eu sei que todo mundo já viu algumas vezes (dezenas? centenas?) e já teve até uma versão aportuguesada (bem ruim, sem graça) feita pelo Pedro Bial. Mas de vez em quando eu volto a esse simpático vídeo. Por isso, posto - ou pôusto - aqui, com a ajuda da Hermeto.

obs. subitamente me lembrei da primeira vez que assisti. Minha prima Marcela pegou emprestado de uma amiga e mostrou pra família toda, orgulhosa da descoberta. Parecia uma coisa sigilosa, a Ma teria que devolver o vídeo em poucos dias porque a amiga só tinha aquela cópia, etc e tal. Anos se passaram sem que eu ouvisse falar do vídeo, e de repente virou pop e de repente virou só mais um vídeo água com açúcar. Mas eu adoro mesmo assim.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Ô balancê, balancê!

Esperando

Os pés da moça estavam inquietos naquela manhã. Saiu de casa tão cedo quanto atrasada. Com os cabelos molhados, vestindo a primeira roupa que pegou no armário e devorando uma maçã, ela andava quase correndo pelas ruas do bairro. Não podia, mais uma vez, se atrasar.

Chegando no consultório, apenas sorriu desculpando-se pela demora.

— Não tem problema, minha filha, o doutor Alexandre ainda não chegou.

Suspirou aliviada e, enquanto caminhava para a saleta de espera, se lembrou da última vez que estivera naquele mesmo lugar e no tempo que precisou aguardar o tal doutor. Na sala bege, algumas pessoas esperavam os respectivos atendimentos. Ao fundo, ouvia-se uma música baixinha e o andar apressado das secretárias subindo e descendo as escadas.

Sentou na cadeira mais próxima da porta e aguardou. Cruzou as pernas para um lado, depois para o outro. Folheou uma revista e balançou muito os pés. Pensou no tempo, nas férias, no jantar que teria mais tarde até que se lembrou do Hemingway que carregava dentro de sua bolsa roxa. Imediatamente pegou o livro e mergulhou nas aventuras do velho Santiago.

Uma voz estridente interrompeu sua leitura para avisar que o doutor Alexandre havia feito um parto durante a madrugada e, por isso, estava um pouquinho atrasado. A moça, que agora havia colocado seus óculos de hastes azuis, achou engraçado o eufemismo que virara o atraso de 1 hora do doutor. Mas não pensou mais nisso, preferiu voltar para o velho que passava “por uma grande ilha de algas de sargaço que balouçava sobre as ondas....”.

Virou uma, duas, três, quatro, cinco páginas até que a senhora ao lado tossiu e a tirou das letras de “O Velho e o Mar”. A partir daquele momento, voltando para dentro da saleta, ela se irritou com a demora. Olhou algumas vezes o relógio e, da mesma forma que no livro, viu que já se estava fazendo tarde. Pensou no bebê que acabara de nascer e, sem pieguice, na espera que é necessária para isso.

Reparou no quanto a sua repentina irritação ficara mesquinha. Pensou, outra vez, no velho Santiago e sua infindável luta com o enorme peixe de barbatanas cor de violeta pálida e nos dias e noites que o pobre pescador havia passado acordado...esperando.

A moça, então, se sentiu pequena e prometeu não se incomodar com o tempo do relógio naquele dia.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Romance

Certo dia do era uma vez, Tristão pergunta à Isolda se amavam-se ou amavam amar um ao outro. Ela fez cara de confusão, mas orgulhosa que é, foi logo é ficando irritada com o papo. Oras, como assim alguém amar o amor? Isso pra ela era vício.

Pela telona, o filme homônimo ao post antecipou-se e disse - "O ministério da saúde adverte: amar faz mal à saúde." Horrorizada, Isolda imediatamente se levantou na sala escura e perguntou ao herói: Dá pra morrer de amor?!

Tristão foi logo soltando um "por você, sim" ensaiado, resposta que mora na ponta da língua dos heróis das tragédias medievais. Por um lado, ela achou a idéia bonita, mas por outro, a resposta atingiu seu coração áspera e inevitável: o amor um dia vai fazer doer. E se não doer, é amor? Ou o amor é aquilo que fica quando a dor cansa e desiste?

Isolda bem sabia de uma coisa: que às vezes, o amor dói pra caralho! Mas vale todas as penas do mundo.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

A máquina que dava moedas


Todas as manhãs Maria chegava ao trabalho, ligava o computador, deixava suas coisas em cima da mesa e ia, com sua linda bolsinha vermelha, até a máquina de cafés. Separava os sessenta centavos e colocava moeda por moeda no local indicado. Em seguida, apertava os botões de “extra açúcar” e o do tipo de café desejado, que, diga-se de passagem, era sempre o mesmo.

Após 30 segundos, a engenhoca apitava indicando que o café da moça estava pronto. Entretanto, o que era para ser um procedimento normal do cotidiano, tornou-se um mistério para Maria, pois a máquina não parava seu trabalho por ali. Logo, ela devolvia todas as moedas que a jovem havia colocado como pagamento.

Maria olhava para aquele monte de moedas sendo cuspidas pela máquina e ficava sem saber o que fazer. Às vezes pegava de volta e guardava na mesma bolsinha, porém, em sua maioria, deixava lá e pensava: sorte de quem vier depois, talvez seja uma espécie de café do próximo, como no restaurante da livraria Argumento.

Fazia o caminho de volta. Agora com o copo de café quente na mão. Sentava em sua cadeira e, se algum colega já estivesse por ali, contava o estranho fato.

Certa tarde, Gigi a convidou para um cafezinho. No caminho, Maria foi reproduzindo a incrível história da velha máquina. Gigi ficou indignada:

— Ué, eu trabalho aqui há tanto tempo e isso nunca aconteceu comigo!

A amiga foi primeiro e a máquina se comportou normalmente, sem soltar sequer um troquinho. Na vez de Maria, como não podia ser diferente, seis moedas de dez centavos foram caindo desesperadamente no chão. As duas se olharam confusas.

Papo vai, papo vem, Maria aponta para a máquina que dava moedas e pergunta à amiga por que ela não apertava o botão de “café solúvel livre”. No que Gigi responde:

— Ah, esse café é de graça, mas não é muito bom não.

Rapidamente, as duas se olharam e riram, como uma epifania. Enfim, estava solucionado o mistério da famigerada máquina. Mas não sem antes Maria, orgulhosa, afirmar que o café gratuito era, sim, muito bom.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Cristina


Eu simpatizo com a Cristina de Woody Allen. Pra mim, ela é um caos calmo, como o nome daquele filme com o Nanni Moretti. No início de Vicky Cristina Barcelona parece só uma moçoila maluquinha, descabeçada, que faz o que dá na telha sem pensar nas conseqüências, meio perdida na vida. Quando Joan Antonio (Javier Bardem) convida Cristina (Scarlett Johansson) e Vicky (Rebecca Hall) para um fim de semana aventuresco Cristina faz uma cara de deslumbrada, toda derretida, e você fica com a impressão de que ela é só isso mesmo: deslumbrada, derretida.

A cena do trio no restaurante pra mim é uma espécie de trucagem. Tem outras assim. Mas aí você vai percebendo que a Cristina é quem tem mais clareza ali, é a mais coerente, sincera consigo mesma. Ela confessa mais de uma vez que não sabe exatamente o que quer, mas sabe bem o que não quer. Acho isso bonito pra caramba. Saber o que você não quer já ajuda muito, e a gente raramente sabe com precisão o que busca, vai descobrindo é mesmo enquanto camina.

Tem uma crônica sobre o filme que diz que a Maria Elena (Penélope Cruz) definiu bem a Cristina ao dizer que ela sofre de insatisfação crônica. Como se a própria Maria Elena, o Joan Antonio e a Vicky não sofressem, como se todo mundo estivesse super satisfeito com a vida que leva. Se a Cristina sofre de insatisfação crônica, eu diria que os outros têm insatisfação crônica gravíssima.

Não acho que a personagem da Scarlett seja perfeita, é uma besteira torná-la heroína, endeusá-la, mas ela leva a vida com verdade e as pessoas parecem assustadoramente carentes disso.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Amor vampiro

Com os olhos atentos à grande tela conheci Oskar e seus cabelos cor de milho. A ingenuidade do garoto que brincava sozinho pela neve me fez lembrar Bruno e seu amigo do “pijama listrado".

Ainda me acostumando com a escuridão daquela sala, me ajeitando na cadeira, após descer correndo pela rua Augusta para não perder o começo do filme, veio Eli com sua palidez desconcertante.

A partir dali eu já não estava mais em São Paulo, me transportei, como num passe de mágica, para aquela cidadezinha sueca no momento em que os dois se viram pela primeira vez. Preferi apenas olhar, lá de longe, “de onde toda beleza do mundo se esconde”.

Oskar e Eli talvez não soubessem, mas começavam a viver o primeiro amor, que não surge dos olhares sem graça, das bochechas com vergonha e de um convite para jantar, ele chega sorrateiro como o vento, assoprando as pequenas brigas e os pseudos ódios. Demora algum tempo para perceber quando se tem apenas 12 anos.

O que refletia no olhar azul de Eli era o segredo que carregava. Sem sentir frio, ela vagava pelas geladas madrugadas e ruas escuras em busca de sobrevivência, que, no seu caso, vinha das abruptas sugadas quando seus caninos afiavam-se. Sim, ela virava vampira. Uma vampira triste e solitária. Na versão menina, Eli, finalmente, estava feliz junto de Oskar, depois que inventaram seus próprios signos. Depois que o amor podia ser vivido dentro de uma caixa, de um jeito só deles.

“Deixe Ela Entrar” já estava no final e, enquanto eu voltava para minha cadeira, lembrei das coisas do primeiro amor, ao mesmo tempo que Thirteen, do Ben Kweller, me veio à cabeça com seus protagonistas adolescentes diantes das maluquices de um amor pueril.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Mudando

Um dia acordamos e nossos cabelos estavam cor-de-rosa. Nossas unhas estavam comidas e usávamos uma meia de cada cor. Nossa cama não ficava mais embaixo da janela, nem a porta tinha a mesma fechadura. Um dia acordamos e o vizinho ouvia rock. Os sinos da igreja não tocavam mais e o vendedor de cocada oferecia agora tapioca. Um dia acordamos e o "bom dia" se trasformou em "Ul-tra-gaaaaaaaaaaaaaaaaaaz". Os pratos se empilhavam na pia e o mensageiro dos ventos, com o vento, fazia bossa-nova.

Um dia acordamos e vimos um mundo pela janela. E os nossos corações, de tão vagabundos, guardaram esse mundo é dentro da gente.


Bem-vindos ao novo mundo das Meninas de lá.


PS: como um segredo, soprado em seu ouvido, peço desculpas menina de lá, por um dia de amiga que virou bagunça.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Passeio


O cara estava lá e eu nem para agradecê-lo por seus versos simples e divinos, como estes de Prezado Cidadão: "Colabore com a Lei. Colabore com a Light. Mantenha luz própria". Chacal. Ele estava no aeroporto de Confins, no município de Confins, onde no mês de março resolvi passar a noite, convencida de que em Confins existiria ao menos alguns hotéis de beira de estrada. Caidaços, vai. Nada. Coloquei uma amiga na maior roubada, só existia uma pensão naquele lugar e estava ocupada por jogadores de futebol mirins. O fim que se deu foi que os moleques, muito gentis, acabaram cedendo um quarto pra gente, e dormimos as duas em uma cama rodeada por chuteiras, meiões e otras cositas más. A barriga doendo de tanto rir. Tiramos fotos com os garotos e pagamos 10 reais pelo quarto pra mocinha que tinha sugerido que ficássemos em um hotel-fazenda perto dali, 150 paus a diária. Vamos dormir na praça, Vivi? "Pirou?". Mas os garotos foram legais e deixaram a gente ficar com o quarto deles. "Meu nome é Sérgio e eu sou de Maceió, jogo no time tal. E esse é o Roberto, ele é de Belo Horizonte mesmo. Tira uma foto com a gente?".

Voltei pra Minas, Minas querida, Minas das ruas tortuosas, dos ipês amarelos, das namoradeiras na janela, das montanhas. "Olha aquela ali! Não parece o rosto de uma bruxa?". A lembrança que eu tinha de Ouro Preto era de apenas uma rua, escura e cheia de artesanatos, pessoas munidas de sacolas. A Pó usando uma faixa colorida, um instrumento que fizemos em uma oficina e até hoje ocupa a sala da minha casa.

Dessa vez, um rapaz muito simpático tirou um retrato perto da igreja de Aleijadinho enquanto o moço observava. Minutos depois, o moço me cutucou: "Que sorte, hein? O rapaz sabia mesmo tirar foto. Muita sorte". Deu tempo para comer torresmo ouvindo Fatboy Slim. O garçom ouropretano era simpático, risonho, parecia que a qualquer momento desataria a falar bem da cidade. Já reparei: tem aqueles mineiros que falam rindo. E com essa leveza de quem não diferencia fala de riso contam com naturalidade a desconhecidos que um ex-namorado da irmã dizia que, nos almoços familiares, as mulheres acabariam inevitavelmente falando sobre cabelos.

De manhã, em volta do hotel nuvens e mais nuvens. O tempo faz que não vai abrir, mas abre. E depois fecha, chove, o sol nasce ligeiro e some ligeiro também. Torço para fazer frio, mas está quente. Uma jovem bonita talvez sinta pela primeira vez em muito tempo o calor enrubecescendo-lhe as bochechas.

Deu pra perceber que certas coisas mudam: um boteco bacanudo virou um bar comum, com música sertaneja e simpáticos moradores (e um casal de franceses, tão à vontade como se estivesse sentado em frente ao antigo Café Le Procope, em Paris). As coisas mudam e continuam perfeitas.

O mundo, Adélia, deve estar mesmo certo.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

O jardim de Agda


"Meu nome não é Agda, é Raimunda", ela diz. Pequenina, magrinha, sorriso fácil. "Minha mãe devia estar com raiva quando me registrou", acrescenta, como se já tivesse falado aquilo antes uma porção de vezes. Agda é pernambucana de uma cidade chamada Flores. Onde é? "Bem no sertão de Pernambuco". Trabalhou como metalúrgica e copeira antes de vender cachorro quente. Acomoda a salsicha no pão, temperando-a com pimenta, cebola "e outras coisas". Adora inventar moda e, normalmente, avisa, suas criações fazem sucesso no bairro por onde circula. "Não tem graça vender o que todo mundo vende". Pergunto pra Agda o que é mais importante quando se faz cachorro quente, esperando que ela responda o que já afirmara enquanto observava a salsicha na panela: carinho, amor. "Fazer as coisas com carinho, amor, cuidado mesmo, sabe? Gostar do que faz". Ela disse. "Tem gente que fica meio assim quando alguém pede pra fazer algo diferente, fica preocupado. Eu, não, eu penso 'que bom, é minha chance de aprender a fazer um tempero novo'. A gente precisa ter bom humor". Ela tem de ir. "Esqueci de te falar que sempre trago as cebolas cortadas porque tenho um problema com cebolas. Elas sempre me emocionam". Agda não deve ganhar um baita salário. Às vezes, provavelmente sente vontade de abrir a porta da rua e sair. No Natal, enquanto recheia dezenas de sanduíches para desconhecidos, talvez pense em uma tia-avó que ainda hoje vive em Flores e, mesmo sem querer, sinta o cheiro da massa do acarajé ficando pronta. Mas Agda tem o maior tesão no que faz. Isso me dá o maior tesão de continuar.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Amarela de portas brancas

Nos meus sonhos, imaginava uma casinha amarela com varanda e quintal. Sonhava com cachorros correndo pela rua e voltando para tomar água e dormir no tapete em frente à porta. Sonhava também com pimenteiras na janela e uma mesa enorme de madeira para se passar horas e horas falando besteira na cozinha, enquanto se toma a última garrafa de vinho em copos de requeijão (Porque não teríamos ainda taças de vinho, pois o dinheiro estava sendo contado para comprarmos uma panela de pressão, sem mesmo saber o que faríamos direito com uma panela de pressão). Sonhava com um chão de madeira em que pudesse me sentar quando o calor fosse tanto que nem se suportaria um sofá com almofadas. Sonhava com paredes brancas, com uma amarelinha no meio da rua, com um banheiro com banheira. Sonhava com o silêncio ao abrir a porta depois de um dia de trabalho e sonhava com o barulho da porta se abrindo enquanto eu lia no sofá. Sonhava com o susto que levaria ao sair do banho de toalha e simplesmente encontrá-lo no quarto dobrando a malha quentinha que usara no caminho até em casa. Sonhava com o dia que chegaria em casa correndo após a dureza de uma segunda faculdade e o cheirinho do jantar chegaria até o portão. Sonhava com as broncas que ele me daria por não saber organizar meus papéis, minhas roupas, meus horários, minhas contas. Sonhava com as broncas que daria por ele nunca chegar no horário, por nunca esquecer uma conta, por nunca desistir de me fazer cafunés (por que sim, eu odeio cafunés, mas odeio mais quando ele não insiste em fazê-los). Sonhava com a felicidade em forma de pote de sorvete com sucrilhos e duas colheres e uma fileira de yakults na porta da geladeira, seguida pela pergunta previsível, mas adorada: "Mais um, abóra?"

Meus olhos alagam e meu peito estufa quando penso que os sonhos não são mais só sonhos. Que uma casinha amarela com varanda e portas brancas me espera pra dormir.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Comme des Garçons


porque ele é um garoto,
e seus olhos são de repente verdes
como nunca vi.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Querida Pedra Bela


Lá, depois de uma frase, se diz "jallalla". Significa "assim seja". Senta-se em roda em cima de uma velha esteira. Todo mundo se escuta, se olha com ternura, ao menos se esforça para esquecer os julgamentos, todo e qualquer tipo de mesquinharia. Os macacos brincam nas árvores. Um beija-flor amarelo pára ao lado da menina doce dos cachos de ouro. O rio corre solto, desce macio enquanto numa noite chuvosa de outubro o garoto de três anos e dez meses pergunta à mãe posso mergulhar? e ela diz, num ímpeto libertário: sim. Ímpeto do qual depois se lembraria com a mesma chuva nos olhos, o filho no colo de ponta-cabeça, com os pés em seus ombros, inquieto. Eu nunca cheguei perto daquele rio. Gosto de imaginar que ele existe e isto basta. Tem um rio aqui que eu sei! Dessa vez, havia margaridas no sítio Itaporã, tão lindas que fui me sentar perto delas. Quase dormi naquela subida, agachada, ouvindo os passos da moça entusiasmada com uma flor japonesa. A moça tinha ido buscar cebolinha para dar gosto à sopa que todos tomariam mais tarde. A jovem do anel verde dormia, a mulher que queria trocar de nome se abria e ele atendia o telefone com a voz rouca, preguiçosa, deitado no sofá. "Estou aqui trocando de canais", me disse, e eu senti o vento feiticeiro de Piva tocando o navio pirata da alma, a quilômetros de alegria. Eu contei pra menininha, no correr das horas, o segredo que a bailarina da caixa de música sussurrou pra mim há um tempo já. "Vamos conhecer o rio?", ela perguntou. Eu menti que a pressa já atravessava a ponte atrás de mim, e contei que se ela quisesse podia abrir uma bala daquelas 7Belo, jogar fora o papel e oferecê-la à cachoeira próxima ao rio. A menina olhou com seriedade, e eu acrescentei: "Você não viu que ontem oferecemos chocolates ao fogo? A gente tem que cuidar da natureza". Gosto de me ouvir e faz ainda mais sentido ouvir o que os outros têm a dizer. Sentir o rosto esquentar na fogueira, deixar o corpo rodopiar, encher o cabelo de folhas e o vestido branco de lama. É bonito demais, é como tudo deveria ser - e é, se a gente quiser que seja. Por um fim de semana ou a vida toda. Mais ou menos assim, como escreveu o ex-Mutante Arnaldo Baptista: "Às vezes estou andando ao lado de um amigo em plena Avenida Nossa Senhora de Copacabana ou qualquer outra grande avenida, com a fortíssima materialidade das lojas me levando a só acreditar no que se vê, e apesar disso, sinto algo especial". Jallalla.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

o eterno deus mu-dança



Desenho de Tulipa Ruiz

Nunca faz o mesmo caminho. Cada dia decide de maneira diferente o seu destino. Por vezes, sente uma sensação esquisita: "acho que já pensei isso antes." Mas a repetição não é o suficiente para se convencer.

Tem estado solitária. Reclama, acha que tem algo errado. Mas, no fundo, sabe que escolheu, preferiu que as coisas fossem dessa maneira.

Às vezes sente-se egoísta. Por dias acorda carente, angustiada. Depois que passa, vira para o outro lado e volta a dormir.

Assobia leve pela rua, canta alto ouvindo música, faz caras e bocas, dança sozinha no parque. Parece não se importar mais como antes.

De repente, se entristece. Trovoa tanto, que faz dúvida. Como perdeu tão rapidamente a leveza do assobio do fim da tarde?

O que será que a aflige?

Parece ser alguém que sempre soube onde moravam os problemas. Talvez seja esse o problema.

Me contou que hoje já não diferencia problema, de solução.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Dengo e Apelo

Há tempos estou para escrever esse texto. Sobre algo bom, sobre uma beleza, uma música, uma poesia, uma canção. O compositor é um velho conhecido da vila e de todo o resto, Martinho. Confesso nunca ter prestado atenção na poesia do presidente de honra que tem a escola do coração em seu nome, que compôs dois dos cinco campeões, entre tantos outros enredos da carioca Unidos de Vila Isabel. Que compôs sambas eternos que estão na boca do povo. E na minha? a Disritmia das primeiras vezes.

Fui apresentada à poesia por Ney Matogrosso e Pedro Luis. Não tenho muitas explicações para dizer que ultimamente me aparece todos os dias, na cabeça, no peito.Talvez sejam os ventos que causam arrepios nos finais de tarde, anunciando as novas que se aproximam. E a história se deu, simples assim, como tantas outras no mundo:

Disritmia
Martinho da Vila

Eu quero me esconder debaixo
dessa sua saia pra fugir do mundo.
Pretendo também me embrenhar
no emaranhado desses seus cabelos
Preciso transfundir seu sangue
pro meu coração que é tão vagabundo...
Me deixa te trazer num dengo
pra num cafuné fazer os meus apelos

Eu quero ser exorcizado
pela água benta desse olhar infindo
Que bom ser fotografado,
mas pelas retinas desses olhos lindos
Me deixa hipnotizado
pra acabar de vez com essa disritmia
Vem logo vem curar seu nego
que chegou de porre lá da boêmia

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

O sonho do Gordo


O Gordo passava nas Cigarras de vez em quando. Nunca avisava quando vinha. Minha mãe e minhas tias ficavam eufóricas, alertando quem cruzassem no caminho, como quem alerta que hoje vai chover: "O Gordo está aqui!". Ele vendia sonhos em São Sebastião, os melhores que já provei. Macios, deliciosamente incorretos na medida do recheio, cheirosos, grandalhões. Mas conseguiam ser ao mesmo tempo delicados ― de um jeito que você podia comer mais de um e não ficar nem fatigado nem satisfeito. O Gordo não entrava no clube, ficava lá na porta e carregava os sonhos em uma cesta coberta por um pano. Não dava pra preferir com doce de leite ou creme porque a acirrada disputa impossibilitava o direito de escolha. Só sei que minha mãe me entregava o sonho enrolado no guardanapo, ainda quente, e vinha aquele cheiro de açúcar misturado com o cheiro do pão. Bobagem. Não dá pra descrever cheiro. Se a MFK Fisher escreveu, eu me permito, agora: sei lá. Era cruel de tão divino. Quando acabava de comer, vinha uma certa tristeza porque era provável que só comesse de novo o sonho nas próximas férias de verão. Mas tudo bem, o Gordo sempre voltava. Um dia, não voltou. "Morreu de aids", diziam. Eu preferia não pensar muito no assunto, como não dá pra imaginar que o Clube Praia das Cigarras foi vendido e vai virar condomínio de luxo. Hoje eu comi um pão cujo cheiro provocou a memória e me fez lembrar do Gordo. Então eu pensei que alguém que passou a vida alimentando as pessoas de sonhos merece o sono dos justos.

domingo, 12 de outubro de 2008

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

sarau


Quem me avisou foi a Rosa Haruco Tane, conhecedora da obra de João Guimarães Rosa. Ai, não poderei ir, mas acho que vai ser bacana pra caramba. A Joana eu já ouvi uma vez, o trabalho dela é lindo. Vá lá!


A Comitiva Sertãocidade realiza seu primeiro sarau

Quem vai estar lá: nessa paulicéia desvairada, as vozes de Wagner Dias, Tia Dita, Jean Garfunkel, Magna Martins, Vera Márcia e Joana Garfunkel. Eles vão mostrar suas histórias, músicas e poesias
Quando: 7 de outubro, terça-feira, a partir das 19hs
Onde: Espaço Alberico Rodrigues, que fica na Pça. Benedito Calixto, 159, em Pinheiros
Famintos por mais informações: tel. 3064-3920 e www.espaçoalberico.com.br
Ingresso: R$ 10 e R$ 5 (estudante e acima de 60 anos)


Na foto Luana, contadora de histórias do Grupo Miguilim, com o irmão na janela de sua casa, em Cordisburgo, MG

terça-feira, 30 de setembro de 2008

vespertinas


Uma música flamenca. O violão que rodeia enquanto ela se curva, delicadeza e sensualidade, a alma quase sai do corpo, retorna, rodopia no ventre e estremece cada pedaço daquele corpo feito de carne e prazer.

Bocas frescas como a madrugada. Tomava vinho enquanto cantarolava "La Vie en Rose". Juntos, dançavam como antigamente.

Morava no país das sinfonias coloridas, como aquele quadro de Kandynski. Gostava da palavra sussurro. Só de ouvir, se arrepiava.

Um dia descobriu que tudo não passava de uma ficção.

La femme a dit oui


Elas tiram fotos que depois serão colocadas em álbuns virtuais. Com alguma sorte (e uma dose de nostalgia) em murais. Não são mais de cortiça, as fotos não furam mais. Ficam pregadas em ímãs coloridos. Com alguma sorte, de Olinda. Mas as moças nem sabem. São quatro e estão sentadas na mesa do canto esquerdo do bistrô. Uma delas amarrou o casaco por cima das costas. Talvez fossem um quarteto na faculdade. Dão risada das fotos que já podem ver no visor da máquina digital, que nem deve ser mais chamada de digital. Coisa cafona, toda máquina hoje é digital. Não imagino o que conversam, não quero. Só observo deliciada o jeito como se divertem, como bebem vinho. A namorada da mesa vizinha leva à boca do namorado uma garfada de quiche, repreendendo-o com estudada espontaneidade: "Você nunca deixa". E ele chega. Chega e dá um gole no vinho e me rouba um beijo e diz você nem se assusta, né. E assim, distraída, quando achava-me sabida observando o lado de lá, tomei o susto mais doce da vida.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Improvisos


Eu esqueci a fala e ele sussurou pra mim, da coxia.

sábado, 20 de setembro de 2008

Grandes



Ela se sente vazia, me diz. Diz que multidão alguma consegue preencher o vazio e desatar o nó da garganta. Caminha pelas ruas do centro, pinta telas no banheiro, improvisa gestos sedutores, repica o cabelo e faz, do lagarto, poesia. Mas falta algo, ela me diz, ao telefone. Eu peço calma, sugiro que esse período enfadonho vai fazer com que entenda sua arte, ajudá-la a pegar sua força, formar a mulher. Não fique pensando muito, matutando, racionalizando. Ela diz que vai tentar, a voz cheia daquele alívio que deixa momentaneamente tudo morno e macio. Geralmente, pouco tempo depois, passa. É como voltar de um final de semana em Pedra Bela. Passa. Mas abre uma fresta, refresca. Ela, não a mesma, está aflita. "Não aparece há dias". Fuma meu cigarro e pergunta como deve agir, sem esperar resposta. Sabe que o que está acontecendo é resultado da dorzinha apertada e miúda da semana passada. Só que de repente não quer saber, o medo faz com que não veja. O medo sempre embaça a visão, é uma miopia que não se conserta usando óculos. Penso em recomendar jazz e uísque. Eu queria jazz e uísque aquele dia. Ao invés disso fomos, juntas, durante um instante, para uma ilha paradisíaca. "Por quê não consigo esquecer o passado e viver só o presente?"; "Não dá pra passar por cima dos meus sentimentos"; "Dói imaginar que não foi comigo". Ouço e sinto que as histórias se confundem e todo mundo está nos fundos de um estacionamento escutando a mesma música eletrizante, o mesmo solo de guitarra arranhando delicadamente os ouvidos cansados. Enquanto sinto, alguém profetiza: "Não quero que dependam de mim." Ela acha que deu espaço demais. "Se isso aconteceu, só foi porque deixei que acontecesse", conclui com a voz serena, madura, sem delongas e chiliques. Quase epifânica. "Não há precisão alguma. Como estou aprendendo a ser paciente! Dá vontade de falar 'escuta, meu querido, vamos organizar essa merda e avisar direito como é que vai ser?'", expressa outra, por e-mail. "O mais engraçado: recebi a Vida Simples ontem e adivinha a capa? Paciência!". É engraçado como às vezes as coisas fazem sentido quando a gente menos espera. Aconteceu depois de uma tarde em que o coração não queria aquietar. A lua, os prédios, as luzes todas acesas, o relógio marcando catorze graus. Atravessava o clube apressada e parei, um sobressalto. Que noite linda. Atada a um desses pequenos amores de que tanto fala Paulo Mendes Campos, entendi. A noite está linda ― e isto basta.

Para minhas amigas, guerreiras. E porque, sem elas, não há

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

A sorte dela

Hoje acordei cedo para vê-la passar. No frio, os lenços contornando o pescoço fino e comprido me fazem inveja. A bochecha e o nariz corados a deixam mais bonita! Beleza diferente a dela. Morena, nariz grande, delicado e gracioso por sua espessura, fina. E ela usa uma jaqueta jeans e calça de veludo. Tão Básicos. Nunca falei com ela, mas ouço a sua voz quando reclama alto por ter perdido o ônibus. Pequena e brava. E talvez doce. Ela prende o cabelo da mesma forma todos os dias. Será porque não gosta dos cabelos castanhos? Ou porque tem medo da mudança? O cheiro dela, eu também conheço. É um cheiro de banho. Percebi que ela não se perfuma. O perfume gruda na pele dela quando se hidrata. Há muito andava com a unha por fazer, assim como as sobrancelhas grossa, que nunca mexe. Mas algo anda fazendo com que ela pinte as unhas de vermelho toda a semana. Será que vem despertando a mulher? O que mais me intriga porém, são os olhos. Pieguice, talvez. Mas os dela são castanhos, não claros como mel e nem escuros, quase jaboticabas. É meio-termo. A beleza, porém, vem é do rio que se instalou ali. Rio que nunca seca e é constante em seu olhar. Não entendo como moça assim pode deixar, todos os dias, o seu olhar marejar. E ela deixa. Ela deve carregar algo grande no peito, que pesa, que dói e faz do olho dela, mar. Mas haveria beleza e força se ali se abrigasse um deserto? Seguindo-a, sem perceber, por um longo caminho, ouvi o conselho dado pela cigana da rua que, toda semana, insite em gritar sua sorte, mesmo que ela aperte o passo para não ouvir: "Ei, menina dos olhos d'água, a solução é ser mais gentil com você mesma!" E acho que foi assim que conheci um pouco mais dela. Pela voz da cigana que em uma frase, decifrou o segredo daquela que, por toda uma vida, venho mirando: alma-gêmea.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Pernambucando


O Recife é grande, quente, cheio de vento e está em obras. Quente. E possivelmente a cidade mais poluída de cartazes de campanha eleitoral. Isso ela descobriu lá. Também descobriu que, no Recife, quando você tem cara de que não é do Recife e resolve colocar sua mala (por algumas horas) no locker do Aeroporto Internacional do Recife/Guararapes – Gilberto Freyre, o guardador vai ficar com receio de te deixar pegar um ônibus na esquina até a praia de Boa Viagem. "Vou pegar meu carro que está aqui no estacionamento e te levo. É pertinho. Bora lá". Bora lá! E depois, vai te convidar para uma água de coco e você vai pensar: "Vou pagar, pra agradecer a carona". Mas o sujeito é mais veloz e tira as moedinhas do bolso primeiro. E depois te convida para um lanche na padaria-coca-cola (inevitável imaginar uma propaganda com aquele urso polar. poderiam colocá-lo lá na frente, segurando uma garrafinha de vidro. ao fundo, a placa: 'cuidado! tubarão'). Você acha que padaria já é demais da conta. Carona, carona. Água de coco, água de coco. Lanchinho, não, pô! Despista, diz que não está com fome, torcendo para o estômago não roncar e ele te conduzir à padaria com mais um "bora lá".

Naquela manhã, a mocinha caminhou pelas ruas próximas à Avenida Boa Viagem. Parou para comer um doce de batata doce pelando, enrolado em papel sulfite, que devorou com voracidade depois de ter acabado com um pacote de pipoca doce (murcha) sentada num banco da praia. Ventava muito e ela tirou seu sapato-joaninha e quis caminhar até o mar, molhar os pés de água salgada. Sempre pensou que o mar fosse mais senhor que sereia, com suas rugas e fúrias e mania de querer ser infinito. O mar, como o amor, torna tudo infinito. Movimenta, balança, espalha, cura. Toca em frente, como diz a canção de Almir Sater que ela ouviria dias depois, em uma manhã chuvosinha, com a cabeça encostada no ombro dele e o coração tranqüilo.

Mas o Recife não tem só mar, cartazes de campanha eleitoral, doce de batata doce e tubarões. Tem a melhor cabeleireira do país, que encontrou caminhando placidamente pela rua dos bacanas da cidade.

"Oi, tudo bom? Você sabe onde eu encontro um cabeleireiro por aqui? Me disseram que tem um nessa rua..."
"Oxe, eu sou cabeleireira. Só que meu salão fica na Fernandes Vieira"

Ela pensa que a Fernandes Vieira deve ser logo ali, mas a sra. Potter pára em um ponto de ônibus e acena para um que vem vindo. Vou ou não vou? Vai. O ônibus atravessa umas pontes, dezenas de meninotas embarcam e desembarcam, com uniforme do colégio e sombra nos olhos e, quase meia hora depois, a sra. Potter diz:

"É aqui"

Estão as duas em uma sala de um consultório de um doutor, já estranhamente íntimas.

"Mas tu é doida, não? Acreditar assim numa pessoa qualquer da rua"
"E você também, mulher, de me trazer aqui!"
"Eu olhei e pensei: 'É tão novinha, não pode fazer mal'"
"Escuta, aqui em Recife as garotas vão à escola maquiadas? Encontrei várias super arrumadas no ônibus"
"Na sua cidade não é assim, não? Outra coisa, vocês não usam essa máquina? Olhe, eu não sou de falar mal de outros lugares, mas, posso dizer? Acho que você precisa trocar de salão"

A sra. Potter tem razão. Nunca alguém foi tão bem tratado em um cabeleireiro, impecavelmente bem tratado.

Já são 14hs. A mulher almoça um Mc Lanche Feliz e a mocinha, já no clima do Recife, guarda a calça e sai de vestido e rabo-de-cavalo bagunçado, em busca do ônibus que vai até o aeroporto. Volta para buscar a bagagem de São Paulo. E um presente vindo lá do norte.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

aniversariando


A expectativa prévia, os preparativos, o vestido, a unha, música, bebida, a limpeza, o banheiro, os equipamentos de som. Questões práticas, outras totalmente superficiais, mas igualmente dotadas de importância, talvez excessiva. Mas isso só se descobre na hora em que o primeiro convidado chega. As amigas que você não vê há tempos, as que você vê sempre, as que você gostaria de ver mais, os primos-irmãos, os amigos de infância, os de adolescência, os amigos dos amigos, e os amigos destes. Todos aqui. Alguns estão desde sempre. Outros vêm e vão. Alguns não puderam vir, mas foram devidamente lembrados. Novas pessoas, novos carinhos, re-significações. Aquele amor que já havia, cresce proporcionalmente às memórias divididas. A pequena amizade agora é carinho “ad eternum”.

Por mim eu congelaria, cristalizava todos. E, aos poucos, bem faceira e sorridente, passava um por um descongelando, abraçava o quanto eu quisesse, apertava as bochechas, beliscava o bumbum , olhava no olho, ouvia as novidades, o sorriso de canto, as superações. O fim que se tornou início; as mudanças que não param de acontecer. Quem sabe apenas jogar papo para o alto, dar risada de tudo e nada, lembrar histórias. Falar coisas que normalmente não temos oportunidade ou tempo. “Gosto tanto de você, torço calada, penso sempre, se pudesse via todos os dias.”

Chorei algumas vezes nesse meu aniversário. Nos dias anteriores, as lágrimas significaram um pouco de angústia e medo das mudanças, do futuro; significaram também um pouco de chateação mundana, nada de muito importante. No dia da celebração, sorri e chorei de emoção. Queria visitar um por um e no ouvido, bem baixinho, sussurrar enquanto dormem: obrigada por tudo. Depois jogar pó de felicidade em todos e sair voando pela janela.

Já que não posso, tento expressar em palavras tudo que sinto impregnado em meu corpo e meu pensamento.

Não tem coisa melhor no mundo do que ter amigos e poder celebrar a vida ao lado deles. O aniversário é só desculpinha.

A noite na cidade

Não sei se acontece com todo mundo, mas sei que comigo é assim: reconheço nitidamente, como se viessem acompanhados de luz (acho que como os filmes no cinema que surgem, de repente, em um clarão no meio da sala escura) os momentos de felicidade intensa. Daquela pura e simples que enche o peito e deixa a gente corado.

Sinto isso em ocasiões mais previsíveis, como naqueles dias de um puta sol em que tenho a sorte de estar sentada em uma canga de bolinhas, sentindo o vento quente, com um suco de mexerica ao lado e à frente...só o mar!

Mas há também aqueles momentos menos esperados, que são reconhecidos em meio à música alta, ao cheiro de cigarro e aos sons confusos de pessoas tentando acompanhar a letra. A visão um pouco nublada pela mistura de cores não deixa a gente pensar direito, mas aí, quem comanda é o sentir.

Sentir o querer-bem quando ele dança atrapalhado só pra me agradar. Quando, na pista com os amigos, um olhar te surpreende, mirando de longe, encontado na parede e fingindo não se importar. Quando apertados, cantamos juntos "Menina musa do verão você conquistou o meu coração, tô vidrado" e eu, derramando cerveja em todo mundo, enquanto ele ri maroto, debochando das minhas trapalhadas. Quando no frio, ao nascer do dia, ele abre o moleton pra que eu, pequena, me encaixe no peito e, como desculpa para o gostar, dizer tímida: está frio, né?

terça-feira, 26 de agosto de 2008

A bailarina


De coque no cabelo, collant cor-de-rosa e sapatilhas penduradas na mochila, lá ia Teca para mais uma aula de balé. Um “pliet” aqui, um “pas de deux” acolá e a postura sempre reta faziam a menina de 11 anos parecer a mais experiente das bailarinas. Todos os dias a mesma rotina de ensaios, o penteado impecável, os saltos, os giros, joelhos esticados e ponta de pé. Tudo, sempre, nas pontas dos pés.

Teca era a garota dos sonhos de todos os menininhos de sua idade, a aluna nota dez. Era a melhor amiga, a irmã companheira, a filha exemplar e, apesar de ser apenas uma criança, já era uma bailarina completa. Tinha uma rigidez quase adulta e era pontual como poucos.

Certa vez, um moço que assistia Teca rodopiando entre um “fouetté” e outro, compôs uma ciranda só para ela:

“Procurando bem
Todo mundo tem pereba
Marca de bexiga ou vacina
E tem piriri, tem lombriga,
tem ameba
Só a bailarina que não tem”

“...Todo mundo tem
um primeiro namorado
Só a bailarina que não tem
Sujo atrás da orelha
Bigode de groselha
Calcinha um pouco velha
Ela não tem...”

A menina de olhos verdes e lábios rosadinhos tinha mesmo uma perfeição particular. Vendavais podiam passar, as casas serem chacoalhadas e nada tirava o sorriso e a dança da bailarina.

De tanto observar Teca descobri um segredo, daqueles que só o escuro da noite é capaz de desvendar. Quando todos estavam dormindo, ela descia as escadas de casa na pontinha dos pés, porém sem as velhas amigas sapatilhas. Passava pela sala e atravessava a cozinha até chegar à dispensa. Não demorava muito e tomava um copo cheio de groselha, quase sem água. A mãe da bailarina nunca a proibiu de tomar aquele xarope, mas desconfio que a menina também queria ter uma travessura, igual a todas as crianças. Foi assim que ela contrariou a frase do poeta: “só a bailarina que não tem”. Agora ela tinha.


Além das bolachinhas de nata, da Mary Poppins e do Snoopy, a Ciranda da Bailarina, de Chico Buarque e Edu Lobo, uma das belas canções de O Grande Circo Místico, me faz voltar no tempo da infância e me sentir mais feliz nessa terça-feira de sol.

Ouça aqui:

Boomp3.com

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Tiradentes


"Em Minas Gerais, sou mineiro."

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Espuma de fumaça


"Hoje estou meio molenga, mais zen", eu falei, antes de sair do reiki. Então, caminhando em direção à porta, uma mensagem dele. "Por onde anda o meu amor?". Feliz, eu começo a digitar a resposta e a porta faz "clec". Abro. Cadê? Alguns segundos parada, com a chave em mãos. Toquei a campainha de novo, ela atendeu, espantou-se. Eu, por um segundo, quis rir. Noutro segundo, uma avalanche de ligações para resolver questões práticas. Adiós, Oprah's Cookbook, terninho preto, lenço verde, vestido listrado. No painel, tinha um bilhete do meu pai: "bom dia, filha, tente voltar cedo, ok?".

Quando te roubam alguma coisa, você fica pensando por que diacho aconteceu com você. Centenas de carros estacionados na Vila Madalena, melhores que o meu, estacionados em algum beco, talvez até abertos, por distração do dono. Era novo, mas já tinha um adesivo da bandeira da Itália, um rádio bacana. Era novo, tinha ainda plástico no banco do motorista. Puxa! Não fiquei me lamentando, chorosa. Mas quando te roubam alguma coisa você fica pensando por que, e relembrando os momentos que antecederam o clec da porta e a visão da calçada vazia. Vazia feito sorriso de palhaço.

Lembrei que reparei mais no terninho preto naquele dia, fiquei me olhando no espelho e pensando que a manga do vestido era muito gorda e pedia um casaco mais folgado. Lembrei quando tranquei o carro e tive a sensação de que ia ser roubado. "Vou levar o livro comigo. Não, que besteira, deixa o livro aí". O momento em que, sentada na varanda, domingo, enquanto a família conversava sobre o carro, eu disse "mãe, precisamos levar pra benzer, duas batidas em uma semana". E não é que, naquela tarde de terça-feira, a mãe, sem saber de nada, entrou em uma loja na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, e comprou uma medalha de Santa Lourdes?

Penso o que teria acontecido se eu não tivesse transferido o reiki para a manhã de terça-feira, ou se deixasse o carro na rua, ao invés de estacioná-lo na calçada, em frente ao instituto (teria conseguido a vaga se parasse antes na padaria?). Por um segundo eu não mandei uma mensagem para ele dizendo que estava na Vila, procurando algum canto charmoso para tomar café, antes de trabalhar.

Sem dramas. Mas essas coisas fazem a gente ficar matutando. Quem foi o sujeito que levou meu carro? Não dá pra ficar revoltadinha e reclamar, fingir que só existem os meus problemas de clásse média. Mas dá uma certa tristeza, aquela sensação de que tudo pode acontecer a qualquer momento e, aliás, seria normal se estivesse acontecendo agora, não está sabe-se lá por que, sorte. Vontade de morar numa casinha longe daqui, no mato, cuidar de uma horta, colher fruta, regar uma flor. Eu vou, de vez em quando. A terra no pé, quase ninguém vê. Mas eu vou.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Do campo


Estou contando os minutos, os segundos e a medida de tempo que ainda nem foi inventada.

Vou dizer que apesar de pura e ardente esta angústia, e perfeita a agonia, chega de saudade. E ele vai inventar uma frase só dele e vai ganhar da Cecília Meireles.

Penso em comprar um buquê de flores do campo que possa fazê-lo sorrir como faz uma nascente de um pequeno sítio. E se ele perguntar "menininha, onde você achou isso?", vou sorrir de canto de boca e dizer:

"Achei, achei por aí..."

Se ele insistir, eu tento:

"Eu descobri uma fórmula mágica nas últimas 216 horas"

Ele pode não acreditar, mas vai sorrir. E o sorriso dele é o lugar mais quentinho do mundo.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Os olhos azuis de Luiza



Desde pequena, os olhos azuis de Luiza eram maiores que a boca, que o nariz, que tudo. Luiza era só olhos azuis e ela sabia disso. E adorava. Era como se o mundo todo estivesse ali, dentro daqueles olhos azuis, mesmo que ela não conhecesse nada deste mundo todo.

Luiza sabia muito bem exibir os olhos azuis, que ficavam mais azuis quando sorria ou quando fazia aquela cara - uma carinha que só Luiza sabia fazer, espremendo os olhinhos azuis - e todo mundo achava graça. Luiza espalhava o azul de seus olhos pela praça em frente à casa, na escola, na livraria...e o azul dos olhos azuis de Luiza enfeitiçava todo mundo e, como passe-de-mágica, todo mundo se apaixonava. Luiza, com seus olhos azuis, era a alegria da gente.

Quando Luiza cresceu, seus olhos azuis ficaram do tamanho da lua. Lua cheia, porque os olhos azuis de Luiza eram tão grandes, tão grandes, que todo mundo via de longe. Foi quando um moço deu de cara com os olhos azuis de Luiza e, instantaneamente, parou. Pegou um lápis, um papel e se pôs a escrever enquanto Luiza, com seus olhos azuis, partia. Toda a cidade já estava curiosa pra saber o que tanto escrevia o moço, hipnotizado pelos olhos azuis de Luiza.

De repente, se levantou e, acarinhando as teclas do piano, com sua voz deliciosamente desafinada, o moço, enfim, cantarolou a poesia que escreveu em homenagem à Luiza...a Luiza que tantos conheceram e, intensamente, amaram.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Do meu novo livro de Hai-kais


Quantas palavras de amor
Morrem
No apontador?

Millôr Fernandes

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Elas


Naquele tempo, naquele domingo, naquele espeto.
- Aneto, seu cabelo está lindo hoje, amiga!
- Você achou? - ri, olha pra ele - É que lavei com aqueles shampoos de homem, sabe?
- Sei, dois em um - ri de volta; diverte-se.
- Alô, Benito, como taí, tem bastante gente? - a outra amiga, preocupada - To chegando em dez.
- Vai chegar antes da Jo, Beny!
- Oi Djou, que engraçado, acabei de falar que a Jessi ia chegar antes de você.
Lindas flores amarelas para a amiga aniversariante.
- Ai, gente, eu sei que eu sou atrasada...
- Benito! Ainda bem que você tá aqui, tava me sentindo uma fumante solitária.
- Senta aqui, Beny, vamos fofocar!
- Jájá to indo embora. Vou te dar um cigarro pra depois, que o seu acabou.
Pega dois.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Vincent


Vincent é um garotinho excêntrico. Gosta de andar escondido dentro de uma caixa de papelão ou atrás de lentes escuras. É do tipo que não dá confiança a qualquer pessoa. Fala pouco. Usa protetor solar todos os dias e é viciado em cereais coloridos. Tem os cabelos pretos, que dificilmente estão penteados. Seus olhos são igualmente escuros e o rosto comprido faz as bochechas rosadas ficarem pequeninas.

A mãe de Vincent vive o mandando brincar na rua com as outras crianças, mas ele gosta é de inventar seu próprio mundo, sozinho. Faz máquinas, balões, desenhos, bandeiras, peões, mesmo que seja só no pensamento. Vive atrás de livros. Os de Edgar Allan Poe são seus favoritos. Acho que comecei a gostar de “O Corvo” com ele:

“Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
‘Uma visita’, eu me disse, está batendo a meus umbrais...”.

Na escola, gosta de se sentar no meio da sala. Troca uma piada aqui, outra lá. Mas ouve como poucos o que a professora de história tem a dizer. Observa tudo ao seu redor, parece até que tem radares debaixo do boné azul que usa nos dias mais frios. Aquele moletom surrado de listras é o seu predileto. Para mim, ele tem uma estranheza que, por si só e paradoxalmente, é seu maior encanto.

Às vezes penso que Vincent é um menino triste. Logo mudo de idéia ao vê-lo assobiar. Apesar de não se juntar muito com os outros garotos de sua idade, ele não dispensa o futebol às segundas-feiras durante o recreio.

Seu quarto parece um refúgio intocável, cheio de segredos e uma bagunça sem tamanho. Certa noite percebi que, como quase todas as crianças, ele tinha medo do escuro! Dava pulos a cada barulho vindo da janela. Já com seu pijama de flanela, deitado e quase dormindo, eu improvisei, nos versos de um poema, uma canção:

“...É só isto, e nada mais”, Vincent, "É o vento, e nada mais. Noite, noite e nada mais."


Ainda não sei muito bem onde foi que o conheci. Talvez em “Martian Child”. Ou será que foi em “Vincent”, de Tim Burton? Pode ter sido, ainda, em “Horton e o Mundo dos Quem!”. Também o encontrei em Marcus, de “Um Grande Garoto”. E o reconheci nos meus três primos quando pequenos.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Januária na Janela


"Toda gente homenageia, Januária na Janela
Até o sol faz maré cheia, pra chegar mais perto dela"


Janunária é a moça que carrega nos olhos um que de boniteza. Os cabelos compridos, dourados de sol. Cintura fina e caminhar arrebitado, passando por entre a gente como se andasse sobre as nuvens. E o resto? Era tudo passarinho que voa, voa e nunca que consegue alcançar.

"O pessoal desce na areia e batuca por aquela que malvada se penteia e não escuta quem apela"

Januária abre a janela, e o porto se faz luz. O mar se aproxima devagar para ouvir Januária, em voz de rainha, cantar hinos de louvor à deusa do mar. E de longe, o mar chega é nos olhos dela, que marejam de saudade.

Sozinha em sua beleza, Januária não enxerga quem acena. Da varanda, o olhar verde é fixo no distante, a sua espera. E as ondas, já sem coração, respondem, no vai e vem de sua dança: "Foi e não volta."

"Quem madruga sempre encontra Januária na janela
Mesmo o sol quando desponta, logo aponta os lábios dela"

Januária já é cega e não percebe quem espia. Ele que não dorme antes de vê-la fechar a porta da varanda e sonha, no mar, com o acarinhar da moça, que é pintura da janela.

"Ela faz que não dá conta de sua graça tão singela
O pessoal se desaponta e vai pro mar, levanta vela"


Mas ele também sabe que Januária é bonita em seu lugar. A varanda é o altar da moça e é de lá, do mar, que ele vai adorar sua eterna Januária.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Aula de desenho


Quando tinha 5 anos, olhei para a caixa com 12 lápis-de-cor Caran D'ache de uma amiga e senti uma vontade irresistível de deslizar a mão sobre eles. Deslizei. Um a um, os lápis foram se deslocando de seus espacinhos e eu me lembro perfeitamente da deliciosa sensação de vê-los se amontoando uns nos outros. Lembro do barulho (eu adorava aquele barulho). Realizada a estripulia, a dona da caixa fez cara feia, deve ter pronunciado umas inocentes barbaridades, e começou a chorar. Levantou do lugar - sentávamos no chão, em círculos, em cima da linha amarela - e foi correndo em direção à professora. Eu saquei que ia me ferrar e pedi para ir ao banheiro. Na verdade, não sei nem se pedi, saí zarpando. Acho que recebi uma bronca quando voltei à sala, mas desta parte não me recordo. É uma história singela, que guardo entre as muitas outras boas histórias da infância.

E como a memória é mesmo uma coisa tolinha, foi um poema da Maria Esther Maciel que me fez voltar ao Infantil II. O poema está no livro Triz, junto com outros que achei fantásticos, como Regalo. Regalo, para mim, é ele escrito; e fica só com ele.

Aqui, Aula de Desenho

Estou lá onde me invento e me faço:
De giz é meu traço. De aço, o papel.
Esboço uma face a régua e compasso:
É falsa. Desfaço o que fiz.
Retraço o retrato. Evoco o abstrato
Faço da sombra minha raiz.
Farta de mim, afasto-me
e constato: na arte ou na vida,
em carne, osso, lápis ou giz
onde estou não é sempre
e o que sou é por um triz.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Uma laranja e meia

Cheguei a uma conclusão: Para as mães, a matemática nunca é exata. Na escola aprendi que, se temos duas laranjas para dividir entre duas pessoas, logo, cada pessoa tem direito a uma laranja, certo? Errado. Para as mães, essa conta é diferente. Se ela tem duas laranjas para dividir entre mãe e filha, logo, a filha tem direito a uma laranja e meia e a mãe, a meia laranja.

Explico: Ontem, domingo, às 21 horas, eu estava na cozinha fazendo uma cobertura para meu Bolo Denso de Chocolate (hummmmm!!!), quando minha mãe entra e começa a descascar uma laranja. Engraçado que as frutas estão lá, na cestinha, todos os dias, e eu nem passo perto. Mas basta ver alguém descascando uma e já me dá uma vontade enorme.

- Mãe, descasca uma pra mim também?
- Toma, fica com essa. Eu descasco outra pra mim.

Nisso, as duas paradas na pia cheia de chocolate, comendo uma laranja...docinha, daquelas que parecem mel.

- Filha, quer essa metade também?
- Não, mãe, pode comer. Obrigada.
- Tem certeza? É porque essas eram as últimas. Não tem mais laranjas na cestinha.
- Certeza sim, pode comer.

Essa, sem dúvidas, é a declaração de amor mais verdadeira do mundo. O amor calado entre mãe e filha. Ana? Aninha? também guardo uma laranja e meia pra você, apesar de, muitas vezes, não saber te oferecer.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Goodbye


Dia de arrumar o armário. Fazer montinho com as roupas que não se quer mais. Desfazer-se daquelas coisas que você manteve no último dia de arrumar o armário, na esperança de que conseguisse usá-las a partir de então. Tirar calças que ficaram largas demais ou apertadas demais. Meia-calça furada. Old panties. Dessa vez, fui impiedosa. Abandonei até a calça jeans mais querida, aquela que me acompanhou o mês todo em Cambridge; a calça jeans rasgada no joelho, cuja vida em meu armário tentei prolongar recentemente, quando a levei ao Carrefas para fazer a barra e apertar a cintura; a blusa branca de seda, transparente demais para ser usada, um lindo presente.

Desta vez, não deixei nem as blusinhas, as famosas blusinhas que continuam ali porque talvez um dia, talvez um dia as vista - e às vezes até vestia, porém qual é o sentido de manter no armário uma roupa que se usa uma vez por ano? O monte ficou grande, recheado de roupas que um dia foram muito especiais, mas por motivos os mais variados já não servem mais. Que bom poder me desfazer delas sem hesitar, alegrando-me com a possibilidade de tornarem-se agora especiais para outras pessoas. Porque não preciso mais usá-las para lembrar o quanto foram companheiras. Estão eternizadas em fotos, vídeos e, principalmente, no quentinho da memória.

A pilha, a irmã foi a primeira a atacar. Horas depois, cinco amigas, que encheram a casa de muitas cores, foram apresentadas às roupas, já espalhadas pelo corredor que dá acesso aos quartos. "Yes, brechóóó´!", vibraram. E, para meu espanto, o grande objeto de disputa da noite não foi o pedaço mais suculento de hambúrguer de kafta ou a última colherada de risoto de nutela: brigaram, as cinco, por uma saia preta com bolinhas brancas (adquirida na Benê por não mais de 30 paus). Guerra de roupas entre bonecas, um fusca amarelo de barbie, um velho lenço azul com ursos fofinhos e um bocado de caixas de papelão ainda vazias.

Despedida danada de boa, essa.