quarta-feira, 22 de outubro de 2008
Querida Pedra Bela
Lá, depois de uma frase, se diz "jallalla". Significa "assim seja". Senta-se em roda em cima de uma velha esteira. Todo mundo se escuta, se olha com ternura, ao menos se esforça para esquecer os julgamentos, todo e qualquer tipo de mesquinharia. Os macacos brincam nas árvores. Um beija-flor amarelo pára ao lado da menina doce dos cachos de ouro. O rio corre solto, desce macio enquanto numa noite chuvosa de outubro o garoto de três anos e dez meses pergunta à mãe posso mergulhar? e ela diz, num ímpeto libertário: sim. Ímpeto do qual depois se lembraria com a mesma chuva nos olhos, o filho no colo de ponta-cabeça, com os pés em seus ombros, inquieto. Eu nunca cheguei perto daquele rio. Gosto de imaginar que ele existe e isto basta. Tem um rio aqui que eu sei! Dessa vez, havia margaridas no sítio Itaporã, tão lindas que fui me sentar perto delas. Quase dormi naquela subida, agachada, ouvindo os passos da moça entusiasmada com uma flor japonesa. A moça tinha ido buscar cebolinha para dar gosto à sopa que todos tomariam mais tarde. A jovem do anel verde dormia, a mulher que queria trocar de nome se abria e ele atendia o telefone com a voz rouca, preguiçosa, deitado no sofá. "Estou aqui trocando de canais", me disse, e eu senti o vento feiticeiro de Piva tocando o navio pirata da alma, a quilômetros de alegria. Eu contei pra menininha, no correr das horas, o segredo que a bailarina da caixa de música sussurrou pra mim há um tempo já. "Vamos conhecer o rio?", ela perguntou. Eu menti que a pressa já atravessava a ponte atrás de mim, e contei que se ela quisesse podia abrir uma bala daquelas 7Belo, jogar fora o papel e oferecê-la à cachoeira próxima ao rio. A menina olhou com seriedade, e eu acrescentei: "Você não viu que ontem oferecemos chocolates ao fogo? A gente tem que cuidar da natureza". Gosto de me ouvir e faz ainda mais sentido ouvir o que os outros têm a dizer. Sentir o rosto esquentar na fogueira, deixar o corpo rodopiar, encher o cabelo de folhas e o vestido branco de lama. É bonito demais, é como tudo deveria ser - e é, se a gente quiser que seja. Por um fim de semana ou a vida toda. Mais ou menos assim, como escreveu o ex-Mutante Arnaldo Baptista: "Às vezes estou andando ao lado de um amigo em plena Avenida Nossa Senhora de Copacabana ou qualquer outra grande avenida, com a fortíssima materialidade das lojas me levando a só acreditar no que se vê, e apesar disso, sinto algo especial". Jallalla.
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