segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Balanço


Ela gostava de brincar no balanço barulhento da casa de sua avó. Gostava tanto que nem se incomodava com o barulho estridente do desce-e-sobe e nem ligava para o fato de que estava todo enferrujado. Naquela época, não havia fatos. Só havia o balanço da casa da vovó, o salão empanturrado de coisas velhas onde não se devia desejar entrar, o doce de morango, os bolos de aniversário, o chão de ladrilho preto e branco, a casinha de boneca com seu nome pintado com tinta cor-de-rosa (o único rosa!) e muitas fotos da família nas estantes. Fotos bonitas das primas mais velhas. Naquela época, havia o piano, a vontade de tocá-lo e a preguiça de aprender as notas musicais. O picolé de leite condensado, mini-saia e groselha 'Rochinha' na Praia das Cigarras, que tomava nos raros momentos em que conseguia, já com os dedos enrugados e os olhos vermelhos, sair da piscina. Conversas demoradas com as amigas ao telefone para discutir problemas seríssimos dos quais não se lembra mais (lembrará dos atuais com tal desdém?). Enquanto ela se balançava no balanço, ouvia uma música bonita e jogava, nos sonhos, pó azul, verde, rosa, vermelho e amarelo por todos os cantos do jardim. E ela jura que perto do gira-gira tinha um pé de café, de onde se aproximava sempre, atraída pelo cheiro gostoso do fruto. Nenhum primo lembra. Sonhava em usar salto alto branco, sonhava em viver um grande amor, sonhava em escrever um livro, sonhava em conhecer a Itália, sonhava em ser livre para pisar no chão sem se importar em pisar nas linhas que contornavam os quadrados, sonhava tudo isso sem saber, pensando que estava só se balançando num velho balanço, embalada pela música do desce-e-sobe - sem saber que começava a criar um próprio arranjo para sua vida. Mal imaginava ela que naquele balanço, que antes tinha vista para o mar e hoje tem para o concreto; que antes era só um balanço em frente a um salão moforento, hoje é o balanço do salão de jogos; que antes era vizinho de uma imponente casinha de boneca com os nomes das crianças coloridos pouco abaixo da telha, hoje, tem ao lado uma simpática casinha abandonada; naquele balanço, que, porém, continua atrás da mesma árvore majestosa e solitária que cobre todo o jardim, ela fez sua escolha.

3 comentários:

Ana Elisa Faria disse...

É, Naneto! Guimarães nos ensinou essa lição (que não esqueço mais): “O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”. E não é que é?! Coragem para fazer as escolhas e seguir...travessia.

Belas lembranças.

Beijo!

Unknown disse...

muita tensão nesse texto.
o peso da escolha... ou o peso do contexto?

nana tucci disse...

É o peso da escolha. Tensão? Acho que não. Bem, talvez uma serenidade levemente tensa!