Os pés da moça estavam inquietos naquela manhã. Saiu de casa tão cedo quanto atrasada. Com os cabelos molhados, vestindo a primeira roupa que pegou no armário e devorando uma maçã, ela andava quase correndo pelas ruas do bairro. Não podia, mais uma vez, se atrasar.
Chegando no consultório, apenas sorriu desculpando-se pela demora.
— Não tem problema, minha filha, o doutor Alexandre ainda não chegou.
Suspirou aliviada e, enquanto caminhava para a saleta de espera, se lembrou da última vez que estivera naquele mesmo lugar e no tempo que precisou aguardar o tal doutor. Na sala bege, algumas pessoas esperavam os respectivos atendimentos. Ao fundo, ouvia-se uma música baixinha e o andar apressado das secretárias subindo e descendo as escadas.
Sentou na cadeira mais próxima da porta e aguardou. Cruzou as pernas para um lado, depois para o outro. Folheou uma revista e balançou muito os pés. Pensou no tempo, nas férias, no jantar que teria mais tarde até que se lembrou do Hemingway que carregava dentro de sua bolsa roxa. Imediatamente pegou o livro e mergulhou nas aventuras do velho Santiago.
Uma voz estridente interrompeu sua leitura para avisar que o doutor Alexandre havia feito um parto durante a madrugada e, por isso, estava um pouquinho atrasado. A moça, que agora havia colocado seus óculos de hastes azuis, achou engraçado o eufemismo que virara o atraso de 1 hora do doutor. Mas não pensou mais nisso, preferiu voltar para o velho que passava “por uma grande ilha de algas de sargaço que balouçava sobre as ondas....”.
Virou uma, duas, três, quatro, cinco páginas até que a senhora ao lado tossiu e a tirou das letras de “O Velho e o Mar”. A partir daquele momento, voltando para dentro da saleta, ela se irritou com a demora. Olhou algumas vezes o relógio e, da mesma forma que no livro, viu que já se estava fazendo tarde. Pensou no bebê que acabara de nascer e, sem pieguice, na espera que é necessária para isso.
Reparou no quanto a sua repentina irritação ficara mesquinha. Pensou, outra vez, no velho Santiago e sua infindável luta com o enorme peixe de barbatanas cor de violeta pálida e nos dias e noites que o pobre pescador havia passado acordado...esperando.
A moça, então, se sentiu pequena e prometeu não se incomodar com o tempo do relógio naquele dia.
3 comentários:
tá inspirada hein amiga?
assim eu gosto!!!
beijos de saudades de todas
Tá danado de bom!!!
Depois me empresta o livro?
Eu acho que conheço essa a menina dos óculos de hastes azuis!
bml.
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