quinta-feira, 31 de julho de 2008

Do meu novo livro de Hai-kais


Quantas palavras de amor
Morrem
No apontador?

Millôr Fernandes

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Elas


Naquele tempo, naquele domingo, naquele espeto.
- Aneto, seu cabelo está lindo hoje, amiga!
- Você achou? - ri, olha pra ele - É que lavei com aqueles shampoos de homem, sabe?
- Sei, dois em um - ri de volta; diverte-se.
- Alô, Benito, como taí, tem bastante gente? - a outra amiga, preocupada - To chegando em dez.
- Vai chegar antes da Jo, Beny!
- Oi Djou, que engraçado, acabei de falar que a Jessi ia chegar antes de você.
Lindas flores amarelas para a amiga aniversariante.
- Ai, gente, eu sei que eu sou atrasada...
- Benito! Ainda bem que você tá aqui, tava me sentindo uma fumante solitária.
- Senta aqui, Beny, vamos fofocar!
- Jájá to indo embora. Vou te dar um cigarro pra depois, que o seu acabou.
Pega dois.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Vincent


Vincent é um garotinho excêntrico. Gosta de andar escondido dentro de uma caixa de papelão ou atrás de lentes escuras. É do tipo que não dá confiança a qualquer pessoa. Fala pouco. Usa protetor solar todos os dias e é viciado em cereais coloridos. Tem os cabelos pretos, que dificilmente estão penteados. Seus olhos são igualmente escuros e o rosto comprido faz as bochechas rosadas ficarem pequeninas.

A mãe de Vincent vive o mandando brincar na rua com as outras crianças, mas ele gosta é de inventar seu próprio mundo, sozinho. Faz máquinas, balões, desenhos, bandeiras, peões, mesmo que seja só no pensamento. Vive atrás de livros. Os de Edgar Allan Poe são seus favoritos. Acho que comecei a gostar de “O Corvo” com ele:

“Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
‘Uma visita’, eu me disse, está batendo a meus umbrais...”.

Na escola, gosta de se sentar no meio da sala. Troca uma piada aqui, outra lá. Mas ouve como poucos o que a professora de história tem a dizer. Observa tudo ao seu redor, parece até que tem radares debaixo do boné azul que usa nos dias mais frios. Aquele moletom surrado de listras é o seu predileto. Para mim, ele tem uma estranheza que, por si só e paradoxalmente, é seu maior encanto.

Às vezes penso que Vincent é um menino triste. Logo mudo de idéia ao vê-lo assobiar. Apesar de não se juntar muito com os outros garotos de sua idade, ele não dispensa o futebol às segundas-feiras durante o recreio.

Seu quarto parece um refúgio intocável, cheio de segredos e uma bagunça sem tamanho. Certa noite percebi que, como quase todas as crianças, ele tinha medo do escuro! Dava pulos a cada barulho vindo da janela. Já com seu pijama de flanela, deitado e quase dormindo, eu improvisei, nos versos de um poema, uma canção:

“...É só isto, e nada mais”, Vincent, "É o vento, e nada mais. Noite, noite e nada mais."


Ainda não sei muito bem onde foi que o conheci. Talvez em “Martian Child”. Ou será que foi em “Vincent”, de Tim Burton? Pode ter sido, ainda, em “Horton e o Mundo dos Quem!”. Também o encontrei em Marcus, de “Um Grande Garoto”. E o reconheci nos meus três primos quando pequenos.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Januária na Janela


"Toda gente homenageia, Januária na Janela
Até o sol faz maré cheia, pra chegar mais perto dela"


Janunária é a moça que carrega nos olhos um que de boniteza. Os cabelos compridos, dourados de sol. Cintura fina e caminhar arrebitado, passando por entre a gente como se andasse sobre as nuvens. E o resto? Era tudo passarinho que voa, voa e nunca que consegue alcançar.

"O pessoal desce na areia e batuca por aquela que malvada se penteia e não escuta quem apela"

Januária abre a janela, e o porto se faz luz. O mar se aproxima devagar para ouvir Januária, em voz de rainha, cantar hinos de louvor à deusa do mar. E de longe, o mar chega é nos olhos dela, que marejam de saudade.

Sozinha em sua beleza, Januária não enxerga quem acena. Da varanda, o olhar verde é fixo no distante, a sua espera. E as ondas, já sem coração, respondem, no vai e vem de sua dança: "Foi e não volta."

"Quem madruga sempre encontra Januária na janela
Mesmo o sol quando desponta, logo aponta os lábios dela"

Januária já é cega e não percebe quem espia. Ele que não dorme antes de vê-la fechar a porta da varanda e sonha, no mar, com o acarinhar da moça, que é pintura da janela.

"Ela faz que não dá conta de sua graça tão singela
O pessoal se desaponta e vai pro mar, levanta vela"


Mas ele também sabe que Januária é bonita em seu lugar. A varanda é o altar da moça e é de lá, do mar, que ele vai adorar sua eterna Januária.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Aula de desenho


Quando tinha 5 anos, olhei para a caixa com 12 lápis-de-cor Caran D'ache de uma amiga e senti uma vontade irresistível de deslizar a mão sobre eles. Deslizei. Um a um, os lápis foram se deslocando de seus espacinhos e eu me lembro perfeitamente da deliciosa sensação de vê-los se amontoando uns nos outros. Lembro do barulho (eu adorava aquele barulho). Realizada a estripulia, a dona da caixa fez cara feia, deve ter pronunciado umas inocentes barbaridades, e começou a chorar. Levantou do lugar - sentávamos no chão, em círculos, em cima da linha amarela - e foi correndo em direção à professora. Eu saquei que ia me ferrar e pedi para ir ao banheiro. Na verdade, não sei nem se pedi, saí zarpando. Acho que recebi uma bronca quando voltei à sala, mas desta parte não me recordo. É uma história singela, que guardo entre as muitas outras boas histórias da infância.

E como a memória é mesmo uma coisa tolinha, foi um poema da Maria Esther Maciel que me fez voltar ao Infantil II. O poema está no livro Triz, junto com outros que achei fantásticos, como Regalo. Regalo, para mim, é ele escrito; e fica só com ele.

Aqui, Aula de Desenho

Estou lá onde me invento e me faço:
De giz é meu traço. De aço, o papel.
Esboço uma face a régua e compasso:
É falsa. Desfaço o que fiz.
Retraço o retrato. Evoco o abstrato
Faço da sombra minha raiz.
Farta de mim, afasto-me
e constato: na arte ou na vida,
em carne, osso, lápis ou giz
onde estou não é sempre
e o que sou é por um triz.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Uma laranja e meia

Cheguei a uma conclusão: Para as mães, a matemática nunca é exata. Na escola aprendi que, se temos duas laranjas para dividir entre duas pessoas, logo, cada pessoa tem direito a uma laranja, certo? Errado. Para as mães, essa conta é diferente. Se ela tem duas laranjas para dividir entre mãe e filha, logo, a filha tem direito a uma laranja e meia e a mãe, a meia laranja.

Explico: Ontem, domingo, às 21 horas, eu estava na cozinha fazendo uma cobertura para meu Bolo Denso de Chocolate (hummmmm!!!), quando minha mãe entra e começa a descascar uma laranja. Engraçado que as frutas estão lá, na cestinha, todos os dias, e eu nem passo perto. Mas basta ver alguém descascando uma e já me dá uma vontade enorme.

- Mãe, descasca uma pra mim também?
- Toma, fica com essa. Eu descasco outra pra mim.

Nisso, as duas paradas na pia cheia de chocolate, comendo uma laranja...docinha, daquelas que parecem mel.

- Filha, quer essa metade também?
- Não, mãe, pode comer. Obrigada.
- Tem certeza? É porque essas eram as últimas. Não tem mais laranjas na cestinha.
- Certeza sim, pode comer.

Essa, sem dúvidas, é a declaração de amor mais verdadeira do mundo. O amor calado entre mãe e filha. Ana? Aninha? também guardo uma laranja e meia pra você, apesar de, muitas vezes, não saber te oferecer.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Goodbye


Dia de arrumar o armário. Fazer montinho com as roupas que não se quer mais. Desfazer-se daquelas coisas que você manteve no último dia de arrumar o armário, na esperança de que conseguisse usá-las a partir de então. Tirar calças que ficaram largas demais ou apertadas demais. Meia-calça furada. Old panties. Dessa vez, fui impiedosa. Abandonei até a calça jeans mais querida, aquela que me acompanhou o mês todo em Cambridge; a calça jeans rasgada no joelho, cuja vida em meu armário tentei prolongar recentemente, quando a levei ao Carrefas para fazer a barra e apertar a cintura; a blusa branca de seda, transparente demais para ser usada, um lindo presente.

Desta vez, não deixei nem as blusinhas, as famosas blusinhas que continuam ali porque talvez um dia, talvez um dia as vista - e às vezes até vestia, porém qual é o sentido de manter no armário uma roupa que se usa uma vez por ano? O monte ficou grande, recheado de roupas que um dia foram muito especiais, mas por motivos os mais variados já não servem mais. Que bom poder me desfazer delas sem hesitar, alegrando-me com a possibilidade de tornarem-se agora especiais para outras pessoas. Porque não preciso mais usá-las para lembrar o quanto foram companheiras. Estão eternizadas em fotos, vídeos e, principalmente, no quentinho da memória.

A pilha, a irmã foi a primeira a atacar. Horas depois, cinco amigas, que encheram a casa de muitas cores, foram apresentadas às roupas, já espalhadas pelo corredor que dá acesso aos quartos. "Yes, brechóóó´!", vibraram. E, para meu espanto, o grande objeto de disputa da noite não foi o pedaço mais suculento de hambúrguer de kafta ou a última colherada de risoto de nutela: brigaram, as cinco, por uma saia preta com bolinhas brancas (adquirida na Benê por não mais de 30 paus). Guerra de roupas entre bonecas, um fusca amarelo de barbie, um velho lenço azul com ursos fofinhos e um bocado de caixas de papelão ainda vazias.

Despedida danada de boa, essa.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

.é a estrela.

sexta-feira. rodízio. não posso sair daqui. ao fundo, vanessa da mata, de quem nem gosto tanto. à frente, a tela. o teclado. as palavras. sinto vontade de dizer tanta coisa. mas por um instante (ou vários deles) não sai nada. semana boa essa. cheia de encontros bons com pessoas lindas. cheia de desencontros ruins com pessoas lindas. o frio. a pipoca. o vinho-quente. teve até batata-doce. teve quindim. teve maçã-do-amor. mas sem maçã. bicicleta. casamento. novela. Dom Casmurro. São Bernardo. deus. é férias. é fogo. é vontade. é a estrela.

"Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo."
Carlos Drummond de Andrade