sexta-feira, 14 de março de 2008

Lá vou eu


A partir do momento em que decidi que faria meu Trabalho de Conclusão de Curso sobre o Grupo Miguilim, percebi que não seria apenas um programa de rádio que me levaria a subir ao palco do Tuca e buscar meu diploma de Jornalista. Cordisburgo mudou minha maneira de enxergar a vida - e, aqui, não me preocupo em atravessar o limiar entre o bom senso e a pieguice. Afinal, não se pode falar em bom senso. Quem, em sã consciência, decide viajar sozinha 1000km para uma cidadezinha trás montanhas no meio de Minas Gerais onde, se diz, há um grupo interessante de contadores de histórias de João Guimarães Rosa? Pois bem, foi assim, como começo dizendo no programa, de um saber daqueles sem mais explicar, que fui parar na "cidade do coração" - de Joãozito.

Bastaram algumas horas em Cordisburgo para que eu tivesse certeza: é aqui que tenho de estar. Não sei para que, por quê. Eu conhecia pouco sobre a literatura de Rosa quando me joguei neste projeto, apenas o básico que aprendemos no Vestibular e vez ou outra fuçamos aqui ou ali. Não é preciso andar muito pela cidade para notar a forte presença desse tal sujeito, o Rosa, em tudo quanto é canto: "Ninguém espera a esperança, espera?", diz um cartaz de uma loja. "Bar Grande Sertão é Veredas", intitula-se um boteco situado na rua principal, onde está o Museu Casa Guimarães Rosa. Bastaram algumas voltas em Cordisburgo para perceber que conhecia muito mais de Guimarães Rosa do que podia imaginar. Ou Guimarães, de mim.

O que se faz em Cordisburgo? Caminha-se. E, no caminho, as pessoas e os lugares vão te chamando. "Entra, toma um cafezinho", dirá a simpática D. Didi, a senhora da foto. "Eu amo esse lugar", você ouvirá do Brasinha, grande Brasinha! A pessoa que me ensinou que lá em Cordisburgo os passarinhos cantam mais bonito porque a gente consegue parar e escutar. Encontrará a d. Antonieta, única pessoa viva da cidade que conviveu com o Rosa; a doceira d. Xêra, para quem mesmo o chocolate mais amargo pode ser doce; o Velho, que sabe muito mais do que a altura e profundidade da Gruta do Maquiné; e, claro, os Miguilins. Os Miguilins me fizeram chorar por dentro aquele choro bom, um choro de saudade que não se sabe que é, nem de donde. Aquela saudade misturada com alegria que deixa o coração tomar conta da gente todo, fazendo a gente até esquecer que é feito de algo, senão coração...Nessas horinhas de descuido, é como se disséssemos 'obrigada' ao universo por estar ali, sem precisar dizer nada. Para mim, isso é felicidade.

O que era para ser um trabalho sobre um grupo de contadores de histórias acabou sendo sobre a pequenina terra sertaneja de Rosa e seus anjos. Os contadores são anjos, arautos que anunciam a chegada do escritor, disse o Brasinha. Sim, porque Rosa está vivo, e vai chegando devagar cada vez que alguém sente que o sertão é sozinho, o sertão é dentro da gente, o sertão é sem lugar; cada vez que um cordisburguense diz "meu primo tinha um amigo que era primo do Guimarães Rosa"; cada vez que um Miguilim respira fundo e começa a contar uma história. Cada vez, ele vive um bocadinho mais.

Todo o programa sobre o Grupo Miguilim foi gravado na cidade, em duas viagens de três dias cada uma. A primeira, foi durante a Semana Roseana, em julho, quando são organizadas diversas atividades para discutir a obra do escritor. A segunda foi em setembro, mês em que ocorre a festa religiosa em homenagem à Nossa Senhora do Rosário. A terceira comitiva, em que irei mostrar o trabalho àqueles que me inspiraram a fazê-lo, será realizada neste fim de semana. Amanhã, embarco para Cordisburgo. Agora, sem gravador e microfone, sem bloco de notas, máquina fotográfica. Embarco para uma linda viagem dentro de mim - o que, mesmo tendo de cumprir um protocolo, foi só o que fiz o tempo todo.

3 comentários:

Anônimo disse...

As vezes sinto muito muito medo de, nesse mundo que me aparece tantas vezes cinzento, não enchergar mais o belo. E esse texto me mostrou que não estou tão amarga assim. As palavras escolhidas para compor esse texto, a experiência que a protagonista viveu e a reflexão que tive ao o ler, são a luz da beleza. Não só ví, como deixei entrar, e tocar. Foi lindo. Obrigada.

Anônimo disse...

Puxa! Engraçadas estas cidades mágicas que reaparecem do nada na vida da gente. Do jeito que vc conta, até acredito que eu ainda esteja por lá, tomando toddy com leite, nalguma vida paralela. Presta atenção, olha bem que vc vê um menino muito branco, muito urbanóide, esquisito naquela porta do sertão, quarenta anos e tantos atrás que podem ser quarenta minutos e tantos.
Sabe que eu conheci o Manuelzão e Juca Bananeira? Nalgum lugar devo ter uma foto, tão esquecida quanto estava Cordisburgo para mim. Injustamente.

poesia potiguar disse...

menina nana,

textos como esse seu a gente tem de agradecer ajoelhada e olhando pro céu...

parabéns pelo texto, pela escolha do tema do seu trabaho, pela viagem incrível (para Cordisburgo e para dentro de você).