quinta-feira, 15 de maio de 2008

Mãe


Para mim, ela nunca usou o cabelo numa altura que não fosse a dos ombros. Mas sempre que os corta ou pinta me olha com cara de quem fez uma mudança ousada e pergunta, com doçura: "Você gostou?". Acho que nunca vi olhos mais vivos. Não páram um instante só de mexer, pra lá e pra cá - e ela nem sabe disso. Ela nem sabe que o tom castanho de seus olhos é exatamente o mesmo tom do castanho de seus cabelos e que isto a torna incrivelmente bela. Não, ela não sabe como é bonita e, quando de repente sabe, envergonha-se toda da descoberta. Não sabe que de tanto querer não fazer-se notada, naturalmente é. Ela é aquela que dança qualquer música e, se está parada, já está ensaiando um novo passo. Acorda todos os dias com um bom humor quase inconcebível para a maioria dos seres humanos. Acorda acordada. E não levanta da cama sem fazer uma oração. Fala alto e fica brava (de mentirinha) se pedem para abaixar o volume. Ela sempre fica brava de mentirinha. Quando é de verdade, é porque já virou tristeza. Mas, se virou, logo passa. Drama, só se for longe dela. Nada de chororô! Ela é prática. Quebrou? Conserta. Não tem conserto? Inventa. Poucas vezes ela chorou, e quando isto acontece, tudo desaba e eu só consigo pensar que gostaria de ter o maior guarda-chuva de todos para protegê-la em dias de tempestade ferozes. Eu poderia ficar plantada com meu guarda-chuva gigante, observando-a correr na chuva, e quando ela estivesse bem cansada a traria para pertinho de mim. Ela não gosta de piadas tolas, seriados americanos e filmes muito deprês. Música muito alta, só escuta se for sozinha. Livros, ela os devora. E se for torrando no sol, melhor ainda. Ela toma sol e fica com uma cor linda, morena, sem descascar depois - e a danada nunca repassa o protetor solar. É apaixonada pelo pai, dedicada à mãe. Ela sempre conta, admirada, como recusei sua companhia no segundo dia de aula. "Toda mocinha, com sua mochila da Minnie, se afastava de mim e dizia 'tchau', garantindo que já podia ficar sozinha". Quando me sinto forte, lembro desse causo e tenho a certeza de que foi ela que me ensinou a guerrear. Todos os dias eu vejo uma guerreira nos olhos inquietos dela. Eu adoro quando tem ataques de riso com suas irmãs: elas, que são parecidas, ficam todas com a mesma cara feliz. Ela talvez seja a mais dura de todas. No entanto, como sua braveza, a dureza é fácil de derreter feito manteiga, e quando você olha o celular tem lá uma mensagem; debaixo da porta, tem um bilhete; na mesa do café da manhã, tem seu suco preferido. Ela é aquela que escuta e, mesmo que seja algo que não entenda ou contra seus princípios, diz: "o mais bonito e importante é que as pessoas não estão terminadas, elas vão sempre mudando". É aquela que aponta as cartas na mesa e explica "rei ou valete, tanto faz, o importante é fazer uma escolha". E quando, por fim, tudo parece enroscado demais para ser verdade, ela é aquela que sorri e sugere "já sei, vá numa taróloga!".

Se eu fosse a Laurinha, protagonista de As Cores de Laurinha, livro do Pedro Bandeira, eu definitivamente venderia meus melhores desenhos para comprar a bolsa mais bonita do mundo para minha mãe.

5 comentários:

Mari disse...

Lindo !

Anônimo disse...

Nana,
Chorei de tanta emoção. Apesar da distância física, pois temos nos encontrado tão pouco e cada uma de nós está com a mente e o coração com tantas questões e desafios, algo nos conecta. Algo que é mais profundo: nossas almas caminham juntas em busca do sentido da vida e com o grande desejo de amar e realizar muitas coisas. Seguimos sempre juntas....
obrigada pelo amor incondicional e pela homenagem
Mamãe

Marina Morena Costa disse...

Ai, que lindo, Nã!
Lindo tbm o comentário aí em cima, rsrs.
Bjs

poesia potiguar disse...

Menina Nana,

que texto/homenagem mais lindo... A cadência exata para uma avalanche positiva de emoções!
Parabéns pra você e pra sua mãe!

beijos!

Anônimo disse...

SEN-SA-CIO-NAL.
Sem mais,

John.