quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Azuis em hastes largas


Tudo começou com uma pergunta simples: "Você gosta de crianças?". No dia seguinte eu estava lá, a caminho do desconhecido, de algo que nunca tinha imaginado passar. Lembrei dos meus seis anos. Apesar da primavera, a manhã estava cinza e chuvosa. Meus pensamentos viajavam, era um novo do velho de algo que já tinha me feito chorar, algo que tinha me tirado as lágrimas ainda criança, iguais aquelas que eu estava prestes a descobrir.

Cheguei. A sala de espera estava abafada e cheia, muito cheia. Confesso, tive receio de olhar. Não queria sentir pena. Não quis sentar, fiquei parada e aos poucos comecei a reparar. Vi olhares tristes e cansados, mas esses eram dos pais. Dos pequenos eram curiosos e prontos para enfrentar uma vida que nem começou direito e já quer ir embora.

Muitas delas não tinham pernas ou braços, outras estavam cegas, outras tinham várias feridinhas pelo corpo, mas elas tinham algo em comum: as carequinhas. Todas elas estavam sem cabelo. Logo lembrei da minha vó e do seu lencinho na cabeça.

Depois de uma espera de uns 20 minutos, uma moça muito simpática nos chamou p/ subir p/ brinquedoteca. Estávamos meio tímidos, entramos e a sala já nos acolheu. Nossa, quantos brinquedos, tinha até um armário/palco em formato de árvore com fantasias dentro. Tinha diversão para todas as idades, jogos, computadores, carrinhos, bonecas e muita criança. Elas estavam por todos os cantos, sentadas, brincando, correndo, gritando, rindo....

Começamos conversando, nossa tarefa era difícil, tínhamos que achar um rosto alegre e conversar, saber as brincadeiras preferidas, se gostava de sorvete ou chocolate, cachorro ou gato. Começamos a brincar e aquele sentimento de antes não existia mais. Esqueci pq aquelas crianças estavam lá, esqueci que eram carecas, que não tinha pernas, ou que não enxergavam com um dos olhos. Brincamos.

Depois que fui embora lembrei da minha vó e da minha postiça. Lembrei dos olhares e entendi o motivo. Lembro daqueles olhinhos tristes e azuis através dos óculos de hastes largas e daqueles espertos com sede de vida e vontade de viver. Aquelas crianças estavam mais vivas que eu, ou melhor, muito mais vivas. Elas estavam lutando, tinham força e conclui isso quando outra moça simpática me falou: "90% delas sobrevive".

Pensei em como às vezes somos pequenos e egoístas.

Um comentário:

Anônimo disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.