quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

A menina que virou cama


Um dia ela ganhou uma cenoura recheada de castanhas glaceadas - era o que dizia a embalagem, pelo menos. "Tipo aquelas que você encontra em barraquinhas espalhadas pelos shoppings? Aquelas que têm um cheiro absurdo de bom?". Tipo aquelas, o release respondeu. Hmmm. Então resolveu que daquele dia em diante iria guardar a cenoura num esconderijo e todo dia pegar uma castanha. Um dia noz pecan, noutro macadâmia. Colocaria a castanha glaceada na boca, deixando o açúcar derreter lentamente. Estes seriam seus momentos de pausa no dia. Os momentos em que de fato pararia para refletir (já reparou que não refletimos muito quando há tempo e refletimos demais quando não se deve refletir?). Resolveu então fazer uma promessa: sempre, quando o açúcar começar a derreter, começo a derreter dentro de mim tudo aquilo que quero expulsar do coração. Arrrg, não, piegas demais, pensou. Já sei! Quando o açúcar começar a derreter, imagino que o mundo foi invadido por doces, que meu computador virou um bolo de chocolate com muita cobertura de brigadeiro e o telefone um irresistível cheesecake - com raspinhas de limão, em homenagem à Jo. E podia transformar o móbile que fica em sua mesa, um arco cheio de vários papéis coloridos, em docinhos: um de leite condensado com uva, um de chocolate crocante, um beijinho. Clichê. Todo mundo já pensou um dia em ter um móbile de docinhos. Depois que comeu meia dúzia de castanhas glaceadas, já meio amolecidas, desistiu da promessa. Saiu para ver a luz do dia, feliz com a desculpa de que precisava gravar um CD. E encontrou um cachorrinho na vitrine. "Eu quero virar um cachorro filhote". Imagina ser um cachorro filhote, desses bem fofinhos? Bilubilubilu. "Eu quero ser o poupa-tempo móvel instalado no Carrefour Limão. Aí todo mundo ia olhar para mim e dizer 'que legal, um poupa-tempo móvel!', e sorrir, pelo menos um instante no dia". Eu queria só fazer as pessoas sorrirem. Como se eu fosse uma cama, macia. A menina que virou cama, de Tim Burton. "Sua cabeça branqueou, inchou, cresceu. E se transformou num macio travesseiro (...) Sua pele, que se guarneceu por dentro, de estopa e de flocos muito grosseiros, ganhou revestimento de um tecido de algodão cem por cento. (...) E o resultado de tão grande esforço foi um belíssimo colchão de molas."

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