quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

De mãos dadas

Antigamente, no interior, não era de pronto que se registrava um filho quando nascia. Tinha que se juntar as economias - sim, pq antes se pagava por um registro de nascimento – e ir atrás de tabeliães que fizessem o serviço. Digo antigamente, lá pela década de 40, em uma cidadezinha do sul de Minas, quando João Correia de Andrade, meu avó, foi registrar o seu filho João Correia de Andrade, meu pai, fazendo lembrar a família de nomes repetidos, que, em seus Cem Anos de Solidão, foi imortalizada por García Márquez. E não é que, na tal certidão, o menino João, ganharia uma outra data de nascimento. Carimbou-se “Nascido em 22 de janeiro de 1945”. Um erro grave, pois sim, garantiu meu avô, que ele nascera no dia 13 de dezembro de 1944. Bom, de qualquer forma, janeiro e dezembro tornaram-se meses ainda mais significativos. Nesse fim de semana, próximo à data oficial em que meu pai completaria 63 anos, andei pensando muito nele. Não que não pense sempre, mas há momentos em que os pensamentos se fixam e vão e tornam a voltar, como sinal de saudades. E foi um casamento que me botou com a cabeça longe. Bem lá, nele. Aliás, fui um pouco a contra-gosto, pois às vezes, esses eventos sociais me dão preguiça. Mas era a irmã de uma amiga de infância. Aquela que as duas pirralhinhas ficavam espiando se trocar quando se arrumava para ir às festas, as quais nós duas éramos proibidas de frequentar. Aquela que achávamos linda e que importunávamos a toda hora, enquanto ela fazia coisas de “gente grande”. Mas crescemos, as três, e os olhares, de igual pra igual, geraram amizades. Valia, então, o esforço!E, ao vê-la, ainda mais bonita, entrando na igreja, de braços dados com o pai, pensei nele, no meu pai, com saudades e um soprinho de tristeza. Me veio à cabeça que, se um dia algo do tipo acontecer comigo, ele não vai estar lá para entrarmos de mãos dadas. E nem vai olhar e dizer que estou linda. Ele, que sempre tinha piadas na ponta da língua, não vai deixar qualquer candidato sem-graça. E eu vou ter que adivinhar se ele aprovaria ou não. Ele não vai mais me olhar e pedir para que eu cultive meus cachinhos novamente. E eu, pra sempre, terei que imaginar como seria poder discutir literatura, seu grande prazer. Ou cantar músicas em dupla, que ele me ensinou a gostar. Ou como seria brigar por causa de ideologias políticas ou por causa do que comeríamos no almoço. Na verdade, poderia ser tudo diferente, contrário às minhas expectativas, mas pelo menos, seria. Fico então, com o quentinho das lembranças. De como ele me ensinou a amar Pessoa e rabiscar livros, com comentários e emoções. A gostar de poesias e escrever versos secretos. A cantar Cai Cai Balão e andar de bicicleta. E a deixar as gavetas abertas, que se seguem de queixas diárias e de comentários do tipo: “Você é igualzinha ao seu pai.”. Ah , acho que sou mesmo. Sobra, agora, a saudade de vê-lo dormindo na rede, na varanda da casa de praia. Saudade das suas risadas nas mesas de baralho. E do feijão com arroz, misturados na panela com cebola bem picadinha. Sei que não fiz homenagens, não soube e nem sei fazê-las. Nem sei se gostaria disso. Mas deixo registrado, assim, em um texto de beleza encabulada e poesia pé quebrado, um pouquinho daquilo que nunca te falei, papai.

5 comentários:

nana tucci disse...

A Jo, como sempre, maravilhosa.
Você me fez chorar no fim do fechamento (tive que colocar os óculos e fingir que estava procurando algo em minhas gavetas p/ não passar vergonha).
Queria ter conhecido esse cabra chamado João, o poeta João que, com seu dom de (des)ordenar as palavras e de enxergar a vida feito beija-flor, botou uma sementinha de vereda na menina de cachinhos quando ela nasceu. E, ora, o resultado não poderia ser diferente: desabrochou dentro dela foi o sertão todo. Dizem que é por isso que é tão fácil pra ela pintar primaveras e encontrar nós de Angústia no coração. Mas o João ensinou pra Joana, sem saber, enquanto cantavam juntos Cai Cai Balão e bagunçavam as gavetas, que nunca se deve de duvidar das palavras ditas com amor. Mesmo sem saber explicar o que ele (o João, o amor...faz diferença?) pra ela significa.

poesia potiguar disse...

E eu que entrei aqui - como entro, todo dia - sem saber que iria chorar tanto... Este texto realmente fechou o meu mês de janeiro... Que também é tão repleto de lembranças paternais. Você só errou numa coisa, querida: e foi quando classificou a poesia do texto de "pé quebrado"... Ora, ora, Joaninha... Tenho certeza de que o mestres Joãos (o Andrade e o Rosa) devem estar torcendo o nariz nessa hora...

Um beijo no coração.

Anônimo disse...

Oh Jô.. estou em lagrimas... talvez de saudade ou de alegria..não sei.. lembro dele com carinho igual a você.. e talvez me faça pensar que tenho que dar valor mais ao meu pai.. apesar de tudo e de tantas coisas.. afinal ele é o mais simples de tudo: pai.
Como você escreve bem...é um grande orgulho pra ele e pra nós...

bjos da sua prima

Anônimo disse...

Jô, eu e Bubu somos seus fãs...
Você é demais!!! e a menina do recado acima tb é demais...rsrsr...
Bjs
Dani

Ana Elisa Faria disse...

Ah, Joann!
Nestes casos o Amor não precisa de palavras ditas nem escritas para ser mostrado. Amor se mostra com Amor. E isso você fez, certamente. Cantando e rabiscando com ele. Seu João sabe disso, amiga!
Muito lindo!

Amo você. (apesar de não precisar dizer com as palavras)
Beijos!