segunda-feira, 28 de abril de 2008

Dias coloridos


"Depois de muita e boa chuva, Célia voltava de Belo Horizonte para sua casa no interior do Estado. Era bom viajar de ônibus, vendo, parecia-lhe que pela primeira vez, o verde rebrotando com força. Ouviu um passageiro falando pra ninguém: que cheiro de mato! Sol farto e os moradores desses conjuntos habitacionais de caixa de papelão e zinco, que brotam como grama à margem das rodovias, aproveitavam pra esquentar o couro rodeados de criança e cachorro. Os deserdados desfilavam, a moça e seu namorado com bota de imitação de peão boiadeiro iam de mãos dadas, com certeza à casa de uma tia da moça, comunicar que pretendiam se casar. Uma avó gorda com seu neto também passou, ela de sombrinha, ele de calcinha comprida de tergal. Iam aonde? Célia fantasiou, ah, com certeza na casa de uma comadre da avó, uma amiga dela de juventude. O menino ia sentir demais a morte daquela avó que lhe pegava na mão de um jeito que nem sua mãe fazia. Desceram três moços de bermuda e camisa do Clube Atlético Mineiro, e um quarto com grande inscrição na camiseta: SÓ CRISTO SALVA! Camiseta e bermuda não favorecem a ninguém, ela pensou desgostosa com a feiúra das roupas. Bermudas principalmente, teria que se ter menos de dez anos pra se usar aquela invenção horrorosa. Teve dó dos moços que só conheciam futebol e dupla sertaneja. Foi um pensamento soberbo, se arrependeu na hora. Tinha preconceitos, lembrou-se de que gostara muito de um jogo de futebol em Londrina, rodeada de palavrões e chup-chup com água de torneira e famílias inteiras se esturricando gozosamente entre pão com molho e adjetivos brutais, prodigiosamente colocados, lindos e surpreendentes como as melhores invenções da poesia. Concluiu sonolenta, o mundo está certo. Uma criança começou a chorar muito alto: quero ficar aqui não, quero sentar com meu pai, quero o meu pai. A mãe parecia muito agoniada e pelo tom do choro Célia achou que ela abafava a boca da criança com uma fralda ou a apertava raivosa contra o peito, envergonhada de ter filha chorona. Suposições. Tudo estava muito bom naquele dia, não sofria com nada, nem ao menos quis ajudar a mãe, botar a menina no colo, estas coisas em que era presta e mestra. Assistia ao mundo, rodava macio tudo, o ônibus, a vida, nem protagonista nem autora, era figurante, nem ao menos fazia o ponto naquele teatro perfeito, era só platéia. Aplaudia, gostando sinceramente de tudo. Contra céu azul e cheiro de mato verde Deus regia o planeta. Estava muito surpresa com a perfeita mecânica do mundo e muitíssimo agradecida por estar vivendo. Foi quando teve o pensamento de que tudo que nasce deve mesmo nascer sem empecilho, mesmo que os nascituros formem hordas e hordas de miseráveis e os governos não saibam mais o que fazer com os sem-teto, os sem-terra, os sem-dentes e as igrejas todas reunidas em concílio esgotem suas teologias sobre caridade discernida e não tenhamos mais tempo de atender à porta a multidão de pedintes. Ainda assim, a vida é maior, o direito de nascer e morar num caixote à beira da estrada. Porque um dia, e pode ser um único dia em sua vida, um deserdado daqueles sai de seu buraco à noite e se maravilha. Chama seu compadre de infortúnio: vem cá, homem, repara se já viu o céu mais estrelado e mais bonito que este! Para isto vale nascer."


O texto 'Rodando' está no livro Filandras, de Adélia Prado

domingo, 27 de abril de 2008

No mundo da lua


Nina era uma garota observadora. Desde muito pequena passava horas admirando a lua e as estrelas. Era dona de um jeitão atrapalhado, porém muito gracioso. Tinha os cabelos escuros, olhos amendoados, bochechas rosadas e pernas compridas. Gostava de sair pelo parquinho e conversar com todos ao redor. Era tagarela que só ela, mas sabia guardar as palavras nos momentos certos.

No dia de seu aniversário de 11 anos, seu pai a tirou do meio das bexigas, dos brigadeiros e refrigerantes, e em plena festa, a levou com os olhos vendados, para a varanda. Estava lá o seu presente: um telescópio.

— Papai, não acredito. Vou poder ver a lua mais de perto! (correu em direção ao pai e lhe deu um beijo estalado)

Depois disso, ninguém mais podia com a menina e seu telescópio. Muitas tardes e noites eram passadas detrás do objeto. Não ficava paralisada, somente, olhando o céu, coisas e pessoas, acho que o telescópio fazia Nina sonhar. E, sonhando, ela viajava para bem longe. Assim como fazia o Lucas Silva e Silva, seu personagem favorito.

Passaram-se os anos e, Nina já mulher, continuava querendo desvendar os mistérios dos lugares distantes. Lá para as bandas da lua. Nunca quis ser astrônoma. Não sonhava em um dia conhecer a lua de perto ou nenhum planeta sequer. Preferia imaginar e só olhar de longe.

Ela achava muita graça em comparar as fases da lua com as fases da sua própria vida. Vivia dizendo: “tenho fases, como a lua. Fases de andar escondida, fases de vir para a rua...Tenho fases de ser tua, tenho outras de ser sozinha”. (desconfio que Cecília Meireles tenha conhecido Nina antes de escrever o poema)

E todos os dias eram assim. Sentava-se bem perto do telescópio e esperava pelas próximas fases.

O tempo foi passando e os cabelos escuros deram espaço aos fios esbranquiçados e, Nina já velhinha, contava aos netos suas aventuras no mundo da lua. Ensinava a eles o nome de algumas constelações, numa data especial lhes "dava de presente" uma estrela e, principalmente, deixava-os livres para que cada um visse a sua própria lua.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Homenagem à Gabriela

Pra mim é vermelho. Mas o nome é Gabriela. Com as unhas pintadas, me sinto mesmo um pouco Gabriela. Quero conhecer Gabriela. É cravo, é canela, é poema. Fico imaginando como deve ser a mulher que deu nome à cor das minhas unhas. A cor de seus cabelos, da sua pele, de seus olhos, o seu jeito de andar, o que faz para viver. Imagino seus pés, com unhas pintadas de vermelho, ou será Gabriela? Em uma plataforma, suas pernas compridas cobertas apenas pela mini-saia jeans. Camiseta branca contrastando com e pele negra, cabelos castanhos compridos e soltos. Gabriela deve ser atendente de telemarketing ou recepcionista de loja de shopping. Gabriela faz musculação nas horas vagas e supermercado aos fins-de-semana. Gabriela mora em uma casa de três cômodos junto à filha. Gabriela tem um fusca branco e não usa celular. Nas noites de sábado, Gabriela deixa Ana com a avó e vai curtir as noites de funk no morro. Volta de manhã, descalça, desacompanhada, para levar Ana à praia. Gabriela vai às segundas ao terreiro de mãe Vilma, pedir proteção aos Orixás. Às segundas, Gabriela chora baixo antes de dormir.Não conheço Gabriela, mas imagino que Gabriela seja assim.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Roda Gigante


A vida corria num movimento constante. Rodava. Mas não como roda de carro ou bicicleta. Era como uma grande roda, uma roda gigante! Beatriz ficava pequena diante da imensidão daquele brinquedo que ia e vinha. Ora lá em cima, ora bem debaixo.
Certo dia descobriu que a vida também era como uma roda, que passava circular, cheia de voltas, num eterno vai-e-vem, embora, às vezes desordenado. Era uma roda de sorrisos, tristezas, dúvidas, sonhos. Cada banco colorido da roda gigante representava algo. A tal roda era cheia de segredinhos. Alguns bem doces, outros amargos, azedos...

Beatriz também gostava de rodar seu vestido. Até que saiu por aí rodando, rodando. E, de tanto rodopiar, foi bater na porta de Nietzsche, que lhe disse baixinho:


“Tudo vai, tudo volta;
eternamente gira a roda do ser.
Tudo morre, tudo refloresce,
eternamente transcorre o ano do ser.
Tudo se desfaz, tudo é refeito;
eternamente constróí-se a mesma casa do ser.
Tudo se separa, tudo volta a se encontrar;
eternamente fiel a si mesmo permanece o anel do ser.
Em cada instante começa o ser;
em torno de todo o “aqui“ rola a bola “acolá “.
O meio está em toda parte.
Curvo é o caminho da eternidade”.

domingo, 20 de abril de 2008

Sereia


Foi Sereia, do Lulu Santos. Eu me lembro de nadar na piscina do sítio desejando que aquela música, ahh, não parasse nunca de tocar. "Clara como a luz do sol, clareira luminosa nessa escuridão", ouvia e mergulhava; "bela como a luz da lua, estrela do oriente nesses mares do sul"; mergulhava de novo; e de novo. Foi a primeira vez na vida que me senti bonita - lembro bem de estranhar essa sensação deliciosa. Meu coração quase não cabia dentro de mim quando começava a ouvir as batidas iniciais daquela música que me levava até ele. Ele, que provavelmente não me amou como o amei. Eu, que provavelmente também não o amei como achava que amava. Eu devia é amar aquele sentimento todo que me fazia mergulhar na piscina feito sereia.

André. Eu gostava de sentar perto dele nas aulas e, um dia, uma amiga, muito prática, sugeriu: "por que você não pede o André em namoro?". Ora, e por que não? Aconteceu na casa dele, no dia em que o grupo se reuniu para fazer um trabalho escolar. A irmã, já sabendo de tudo, colocou uma música romântica no rádio e deixou os dois lá, a sós. Ele? Mudo. Eu respirei fundo, ensaiei na cabeça o que diria e, corajosa, do alto de meus 9 anos, perguntei: "André, você quer namorar comigo?". O coração, agora, saindo pela boca. "Sim". Silêncio. Fiquei nervosa, não sabia o que falar, então uma pergunta muito sensata me veio à cabeça. "Quando a gente pode começar?". Namoramos meses; talvez um ano. Mal nos olhávamos. Nunca beijamos. Um dia, depois de um feriado na praia com a família, lembro de ficar com o rosto todo descascado, meio sardentinho, e a tia Lúcia me chamar até sua mesa. "Nana, sabe quem veio me dizer que você está muito linda hoje? O André". Voltei à carteira com o rosto corado, extasiada, me sentindo a menina mais bonita do mundo - e, desconfio seriamente, foi a partir deste dia que virei obsessiva por sardas.

Bom, aí, acho que cansei de esperar o André vencer sua timidez e me namorar de verdade. Estava gostando mais da ousadia do Rodrigo, um garoto que ficava o dia todo me pentelhando e inventou um apelido que me perseguiu durante anos: Danone. "Seu sobrenome é Laloni, ops, Danone?". Comecei a querer o Rodrigo. Quanto mais ele me enchia, mais eu queria. Ele não só nunca deu uma trégua, como me fez chorar aquele que talvez tenha sido o choro mais desesperador da minha infância: estávamos os dois em um acampamento em Ohio, nos EUA, eu morrendo de vontade de voltar para casa e ele diz, meio blasé, ter sonhado que o nosso avião iria cair. "E eu sonhei que o avião dos Mamonas ia cair, um dia antes do acidente". Deus, nunca mais vou ver meus pais! Chorei tanto. Maldito.

Como as ondas, que vão e vêm e vão e são como o tempo, deixei de querer o Rodrigo. E o primeiro beijo aconteceu com um menino que gostava mais de mim do que eu dele. Enrolei, enrolei e, por fim, um dia, me pareceu ok dar-lhe um beijinho. Um primeiro beijo, digamos, correto. O beijo de verdade mesmo, daqueles que fazem a gente querer passar a vida toda só fazendo aquilo, foi com o garoto número 2 (vai dizer que nunca fez uma listinha com os nomes deles?). Eu achava ele lindo, todo loirinho, de olhos azuis. Dois beijos, e não me quis mais. Sofri. Deve ter sido praga do primeiro. Praga ou não, sofri outras vezes. Cada rejeição me mostrou que, sim, eu era capaz de escrever tristes poemas de amor. E me ajudou a renovar o estoque de vestidos de festa, adquiridos sob a pena de "fazê-lo se arrepender amargamente por de ter me dado um fora". Isso - e todos os outros sacrifícios. Depois, amei muito. Amei grande, muito grande; e entendi que na vida existem formas de amor, todas belas, se a gente conseguir enxergar a beleza de cada uma delas.

E eis que quando as curvas pareciam virar estrada reta de novo, descubro uma dessas infinitas formas, uma felicidade clandestina que me faz sorrir e lembrar a menina que mergulhava na piscina ouvindo Sereia.

terça-feira, 15 de abril de 2008

A menina e o ratinho - Parte 3


De repente, se viram os dois, a menina e o ratinho, em margens opostas do rio Sena. Parados. Ela, os olhos mareados; os dele, querendo marear, mas não. Entre eles, barcos, o vai-e-vem das ondas e um velho guardanapo sujo de sorvete de chocolate. Tudo o que ele mais queria é que ela saltasse da margem, nadasse até ele e, com um abraço apertado, fizesse seu coração chorar um choro bom há muito tempo preso no peito. E ela diria assim: "Remy, chega de passear só em nossos sonhos", antes de rodopiar seu vestido amarelo cheirando acordado de tanto esperar, e então o levaria para tomar sorvete em todas as esquinas de Paris. Ela, porém, continuava parada ali, só parada, mas gostando de olhar o ratinho, gostando, gostando... Não queria mais dizer "vamos deixar de lado a flor e o sorriso, um instantinho só". Não, a menina já tinha descoberto que o girassol não é menos bonito que a rosa vermelha, e que podia sorrir muitos sorrisos, se quisesse. Por que então não conseguia pular no rio e nadar até o Remy? Tentou em vão diminuir a distância com uma fita cor-de-rosa que encontrou embaixo do banco; esticou o braço, imaginando que, como num passe de mágica (afinal, duendes existem) podia alcançar o outro lado da margem; nada. "Pula, menina", ela dizia para si mesma, mas sabia que não era a hora de pular ainda, porque quando é, a gente pula e pronto. Sentou-se na margem, balançando os pés, feito menina moleca, enquanto observava o Remy, querendo fazer ele rir. Ele não riu, mas quis. E ficaram assim os dois, se olhando, distraídos. Não terminaram (começaram?). Foi neste instante que a borboleta laranja pousou novamente em sua mão, delicada, o que fez ela pensar que o mais importante e bonito do mun­do é mesmo isto: as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - elas vão sempre mudando.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Pot-pourri


Algumas frases das quais nunca quero me esquecer


A pior coisa de estar sem celular, sério, é não poder falar com você todos os dias

Todo abismo é navegável em barquinho de papel

Se a gente reconhece no outro, é porque também tem

Florzinha do campo

Não só vi, como deixei entrar, e tocar. Foi lindo

Não se fazem mais garotas com covinhas no queixo

A dor é vai-e-vem, qual onda no mar

Você me faz sentir livre

Estamos juntos

Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade

Aquela paz interior que só sinto com você

Quando fala, seus olhos brilham

Se um dia você for embora, não pense em mim que eu não te quero meu. Eu te quero seu

Eu sou um trem de ferro seguindo os trilhos na palma da minha mão

Agradeço por ter você como amiga

Vocês se estranharam um pouco, e agora está tudo bem de novo

Encontros mágicos devem acontecer em momentos igualmente mágicos

Cuidado com o que pede ao universo, porque ele escuta

Colorido, até em dias cinzas

Às vezes, na vida, só o que a gente pode fazer é boiar

A vida (aliás) é legal

Entendimento

"os lados incompreendidos do poema não afetam a sua beleza"
Manuel Bandeira

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Uma quinta-feira




Sentada no computador, a vontade era de sair correndo, muito embora a ressaca acumulada de dias de cerveja e cigarro pesasse um pouco. A amiga do lado, pensamentos em cima.


- Vou dar uma saída rápida de bicicleta, comprar um negócio na farmácia



Já na primeira pedalada pra fora da garagem do prédio a chuva, ainda fraca, tinha vindo cumprimentá-la. Não pensou duas vezes. Dessa vez não ia "emprestar" guarda-chuva de ninguém, não tinha compromisso senão com ela. Na farmácia o colírio se mostrou a bica do século. 35 reais. Ah tá, obrigada.

Saiu de lá e foi direto para o Parque Ibirapuera. Sem pensar no medo dos carros, na chuva que ficava cada vez mais forte, na sujeira da cidade. Enquanto contornava o lago do parque, recordou-se dele, ele que, entre muitas outras coisas, certa vez lhe ensinou que as pernas devem funcionar como pistões e as costas devem permanecer retas.


No caminho, enquanto pensava na vida, nele, no futuro, nela, na sensação de liberdade que dá andar sem destino enquanto a chuva caía sem preocupação, molhando a menina da cabeça aos pés, fotografou momentos improváveis daquela quinta-feira cinzenta e chuvosa na cidade grande. Um senhor empurrava uma mulher na cadeira de rodas. A tempestade caindo parecia não importar.


- chove pouco nesta cidade!


Enquanto isso, um homem ensinava uma mulher a andar de bicicleta. Em plena chuva! Ambos por volta de 40 anos. Nunca é tarde....Em algum momento do circuito, teve que reduzir a velocidade para o pato passar em direção a seu lar, o lago. Um casal , ela abaixada e ele em pé, conversava rodeado por patos e pássaros, olhando para o horizonte. Talvez discutissem a vida, talvez a relação. Tudo isso na quinta-feira chuvosa.


E ela sentiu-se feliz, por perceber que a vida está onde queremos que ela esteja. E por ter sentido a sensação que ele sente quando anda de bicicleta na chuva, a água entrando nos olhos, molhando a roupa, mas o coração batendo forte. Improvável, como tudo que tem graça.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Desejos

Às vezes, essa história de trabalhar com gastronomia é algo bem complicado pra mim. Justo eu, com espírito gordinho, que adora um petisco e tem a boca cheia d'água só de imaginar aquele petit gateau de doce-de-leite (experimentei um de rapadura com sorvete de cachaça que nunca mais saiu da minha memória e também pode ser usado como exemplo...). Aliás, acho que essa tal de memória fica bem no meio da barriga e ronrona de três em três horas. Alguém, por favor, me dá um chocolatinho?

terça-feira, 8 de abril de 2008

Voltei!


Ai, finalmente....

Antes de começar, quero declarar que não consigo visitar um dia este bendito blog sem chorar ou me emocionar pelas palavras dessas meninas de lá... ai ai ai meninas, mas que coisa!!!

Pronto, recuperada. Começo de algum lugar, só porque tenho que começar.

O que posso dizer? Assumo. Fico esperando a vida se assentar para poder escrever algo que seja verdadeeeiro, lá de dentro.

Mas a vida continua rodando, chacoalhando, e não pára nunca! O que posso fazer se, no mesmo dia, amo, odeio, me apaixono, detesto. Ouço Chico Buarque, ouço indie rock, penso na filosofia, penso na notícia do jornal, penso no jornalismo, e termino baixando música loucamente no computador. O que escrever se no mesmo dia quero viajar para a europa, me casar, morar numa casa com jardim, ter filhos encaracolados, ser livre, ser só, ser dois.

Como diz Arminto Cordovil, personagem de Milton Hatoum: "nossa vida não se cansa de dar voltas...". É Arminto. Não cansa, não cansa mesmo.

A gente é que às vezes cansa, mas logo se abre de novo pro vai e vem gostoso, que lembra o barco viking dos parquinhos da infância. A vida vaaaaaaaiii e ela vooooooooooolta, e dependendo da qualidade do parquinho, faz a volta inteira, te deixando de ponta cabeça!

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Frase da vida: "É por cantos e danças que o homem se manifesta como membro de uma coletividade que o ultrapassa". Viva Nietzsche!

Desabafo

Arranca-rabo, palavras explodidas, pensamentos desconexos, tensões, silêncios, cara fechada, violência mental, vontade de beliscar, de chutar a parede, de morder o braço, de bater a porta, de gritar, de fazer careta e mostrar a língua, de dizer desaparece, de desaparecer, de hibernar, de se esconder no buraco, de falar palavrão, de puxar o cabelo, de quebrar copo.

Feito tudo isso, vá ao banheiro e vomite. Depois ria, ria muito. E abrace como quem não quer desgrudar, nunca mais...

domingo, 6 de abril de 2008

Carmen de Godard


Eu adoro dias nebulosos, desses bem chuvosos e cinzentos. Adoro. Adoro dormir meio descoberta de propósito, só pra sentir frio e demorar mais tempo pra levantar da cama. Adoro acordar com barulho de chuva e trovão. Adoro colocar um casaco quente, depois de ter entrado num banho quente, banho com muito sabonete. Tomar um chocolate quente numa caneca bem grande (pra fazer um charme, porque ele logo fica morno e não consigo mais beber). Passar o dia todo dentro de uma livraria, passeando por muitos lugares e tempos, passeios que, no fim, sempre terminam assim: a menina sentada num banquinho ou café, folheando Calvin e Haroldo - O Mundo é Mágico, deliciada. Nunca compro o livro, acho que para ter o gostinho de tê-lo, sem ter. E, também, é como se assim garantisse que mais dias nebulosos estão por vir. Gosto tanto de um tempo acinzentado que penso ter nascido no país errado. No planeta errado. No mundo errado. Talvez eu esteja mesmo vivendo em outro mundo, enquanto vivo nesse. Às vezes tenho a impressão de que tudo não passa de um filme que já rodou e, por algum motivo, continua rodando - e, por algum estranho motivo, as pessoas não percebem. Uma narrativa fragmentada, um filme do Godard.

O que isto significa?


Importa?

Poesia numa hora dessas?!

Sim, para colorir o acinzentado de um dia como esse.


Dias cinzas, geralmente, são acompanhados de chuva. E as àguas das chuvas me lembram os rios. Pois então, deixo aqui as cores de "O Rio", do poeta triste Manuel Bandeira:

Ser como o rio que deflui
Silencioso dentro da noite.
Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas no céu, refleti-las
E se os céus se pejam de nuvens,
Como o rio as nuvens são água,
Refleti-las também sem mágoa
Nas profundidades tranqüilas.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

No supermercado

Quando pequena Nina adorava acompanhar sua mãe no supermercado. Gostava de brincar e correr por entre as prateleiras. Também gostava de apostar corrida com sua irmã menor. Se perdiam pelas fileiras dos congelados, dos pães e dos eletrônicos. Faziam suas próprias pistas de bate-bate. Às vezes seu pai olhava bravo, mas sabia que no fundo ele achava era engraçado as duas correndo de lá pra cá, fazendo daquele lugar um parque de diversões.
Diante do mundaréu de comidas, frutas, aparelhos domésticos, corre-corre de pessoas, carrinhos, música, ela parava, somente, quando via as moças que trabalhavam sob os patins. Ficava encantada e sonhava um dia poder ir ao supermercado com rodinhas nos pés.

— Mãe, posso buscar meus patins? (Dizia impaciente)
— Não, meu bem, aqui não é lugar para você brincar.
— Mas, mãe, as moças...
— Pese as batatas pra mim, filha.

Enquanto via as atendentes deslizarem, Nina chorava, também querendo patinar pelo supermercado todo. Só mudava o rumo de seus olhares quando chegava perto da seção dos doces. Aí, a menina esquecia o mundo e tudo se transformava em barras de chocolate, balas coloridas, caramelos, bolachas, chicletes, pirulitos...queria colocar tudo dentro do carrinho. E não era só Nina e sua irmãzinha que brincavam por lá. Várias crianças corriam, pulavam, se perdiam. Ela mesma já havia se perdido no meio do labirinto de gôndolas e chegou até pensar que nunca mais encontraria sua mãe naquele mundo de pernas que passavam apressadas.

Dez anos depois, o supermercado já não era mais um parque de diversões, pelo contrário. Nina, agora moça adulta, não via mais graça em empurrar o carrinho de compras, não dava a mínima para os patins e seus olhos pouco brilhavam pelos doces. Na verdade, ela se irritava com as crianças que atrapalhavam seu percurso, com a fila para pesar as verduras e as cestinhas abandonadas no chão. Não se imaginava mais ficar horas dentro daquele lugar e nem tinha mais medo de se perder, pois já sabia caminhar sozinha.

Ainda no supermercado, Nina olhou para trás e, mesmo com sua impaciência habitual para esse tipo de ocasião, ela se lembrou de como aqueles momentos eram bons. E, agora, acha graça. Compreendeu, mais uma vez, as brincadeiras que o tempo faz com a gente.