domingo, 20 de abril de 2008

Sereia


Foi Sereia, do Lulu Santos. Eu me lembro de nadar na piscina do sítio desejando que aquela música, ahh, não parasse nunca de tocar. "Clara como a luz do sol, clareira luminosa nessa escuridão", ouvia e mergulhava; "bela como a luz da lua, estrela do oriente nesses mares do sul"; mergulhava de novo; e de novo. Foi a primeira vez na vida que me senti bonita - lembro bem de estranhar essa sensação deliciosa. Meu coração quase não cabia dentro de mim quando começava a ouvir as batidas iniciais daquela música que me levava até ele. Ele, que provavelmente não me amou como o amei. Eu, que provavelmente também não o amei como achava que amava. Eu devia é amar aquele sentimento todo que me fazia mergulhar na piscina feito sereia.

André. Eu gostava de sentar perto dele nas aulas e, um dia, uma amiga, muito prática, sugeriu: "por que você não pede o André em namoro?". Ora, e por que não? Aconteceu na casa dele, no dia em que o grupo se reuniu para fazer um trabalho escolar. A irmã, já sabendo de tudo, colocou uma música romântica no rádio e deixou os dois lá, a sós. Ele? Mudo. Eu respirei fundo, ensaiei na cabeça o que diria e, corajosa, do alto de meus 9 anos, perguntei: "André, você quer namorar comigo?". O coração, agora, saindo pela boca. "Sim". Silêncio. Fiquei nervosa, não sabia o que falar, então uma pergunta muito sensata me veio à cabeça. "Quando a gente pode começar?". Namoramos meses; talvez um ano. Mal nos olhávamos. Nunca beijamos. Um dia, depois de um feriado na praia com a família, lembro de ficar com o rosto todo descascado, meio sardentinho, e a tia Lúcia me chamar até sua mesa. "Nana, sabe quem veio me dizer que você está muito linda hoje? O André". Voltei à carteira com o rosto corado, extasiada, me sentindo a menina mais bonita do mundo - e, desconfio seriamente, foi a partir deste dia que virei obsessiva por sardas.

Bom, aí, acho que cansei de esperar o André vencer sua timidez e me namorar de verdade. Estava gostando mais da ousadia do Rodrigo, um garoto que ficava o dia todo me pentelhando e inventou um apelido que me perseguiu durante anos: Danone. "Seu sobrenome é Laloni, ops, Danone?". Comecei a querer o Rodrigo. Quanto mais ele me enchia, mais eu queria. Ele não só nunca deu uma trégua, como me fez chorar aquele que talvez tenha sido o choro mais desesperador da minha infância: estávamos os dois em um acampamento em Ohio, nos EUA, eu morrendo de vontade de voltar para casa e ele diz, meio blasé, ter sonhado que o nosso avião iria cair. "E eu sonhei que o avião dos Mamonas ia cair, um dia antes do acidente". Deus, nunca mais vou ver meus pais! Chorei tanto. Maldito.

Como as ondas, que vão e vêm e vão e são como o tempo, deixei de querer o Rodrigo. E o primeiro beijo aconteceu com um menino que gostava mais de mim do que eu dele. Enrolei, enrolei e, por fim, um dia, me pareceu ok dar-lhe um beijinho. Um primeiro beijo, digamos, correto. O beijo de verdade mesmo, daqueles que fazem a gente querer passar a vida toda só fazendo aquilo, foi com o garoto número 2 (vai dizer que nunca fez uma listinha com os nomes deles?). Eu achava ele lindo, todo loirinho, de olhos azuis. Dois beijos, e não me quis mais. Sofri. Deve ter sido praga do primeiro. Praga ou não, sofri outras vezes. Cada rejeição me mostrou que, sim, eu era capaz de escrever tristes poemas de amor. E me ajudou a renovar o estoque de vestidos de festa, adquiridos sob a pena de "fazê-lo se arrepender amargamente por de ter me dado um fora". Isso - e todos os outros sacrifícios. Depois, amei muito. Amei grande, muito grande; e entendi que na vida existem formas de amor, todas belas, se a gente conseguir enxergar a beleza de cada uma delas.

E eis que quando as curvas pareciam virar estrada reta de novo, descubro uma dessas infinitas formas, uma felicidade clandestina que me faz sorrir e lembrar a menina que mergulhava na piscina ouvindo Sereia.

2 comentários:

Anônimo disse...

...

Anônimo disse...

http://br.youtube.com/watch?v=dH3GSrCmzC8